Cotonete, o evangelizador
É possível encontrá-lo no trecho da Rua das Flores, entre a Rua Barão do Rio Branco e a Rua Presidente Farias. Costuma também circular no trecho da Rua Presidente Farias, entre a Rua das Flores e Av. Mal. Deodoro, em frente à Estação Tubo Estação Central.
Não é do tipo que chama a atenção. Não anda de bicicleta, trajando sunga e com o corpo cheio de óleo, e, igualmente, não é do tipo que utiliza artifícios para chamar a atenção. Ao contrário, sua postura é discreta e sóbria. Faz-se necessário estar com as “antenas ligadas” para detectar a presença e apreciar o trabalho deste sujeito, que é um personagem de Curitiba.
Homem, negro, e calculo que esteja próximo dos oitenta anos, talvez mais, talvez menos, quem sabe? Disse-me que algumas pessoas o chamam pelo apelido de Cotonete, por causa de seus cabelos brancos. Na mão carrega uma panela de alumínio, contendo pequenos pedaços de papel, que tem mensagens cristãs de alento e de conforto. Aborda os transeuntes e lhes pede que peguem uma das mensagens. Pega quem quiser.
No rosto um largo sorriso acolhedor. Acaso algum transeunte apresente disposição para uma conversa, algo raro em uma metrópole, Cotonete acolhe o sujeito e um diálogo tem início. Dia desses, nos encontramos na Rua Presidente Farias e ele chamou-me pelo sobrenome.
- Jesus, você está por aqui.
Respondi em tom de brincadeira.
-Porque o espanto? Não estava previsto que eu voltaria. Estou na área.
Após os cumprimentos, disse-lhe que seu trabalho era belo e perguntei a que igreja ele pertencia. Respondeu-me que a igreja não importa. O que realmente tem importância é o Cristo. Diante da resposta, passei a gostar ainda mais do sujeito e de seu trabalho. O leitor sabe que não é difícil encontrar evangelizadores nas grandes cidades, e sabe também que uma característica comum entre eles é tentar convencer o ouvinte a aderir a sua igreja.
Alguns evangelizadores utilizam métodos que assustam quem é abordado. Algo do gênero, se você não fizer isso, acontecer-te-á aquilo. Outros utilizam métodos mais suaves, mas você somente será abençoado se aderir à igreja dele. A fala de Cotonete ganha ainda mais valor em um mundo em que a história está recheada de guerras por causa de religiões. Inclusive, entre populações que acreditam no mesmo Deus.
Neste momento, me vem à mente o conflito que dividiu a Irlanda, somente porque alguns eram protestantes e outros católicos. Igualmente, me vem à mente a guerra entre Israel e Palestina. Quando converso sobre este assunto sempre digo que Deus, lá no Firmamento sentado em sua poltrona, deve estar pensando que eles, os dois lados, não entenderam nada do que foi pregado. Caro leitor, estamos no terceiro século, alguns tem outra contagem, e conflitos por causa de religiões é algo inconcebível. Inconcebível, mas infelizmente ainda há. Aliás, neste quesito o que não falta é exemplos.
Mas voltando ao diálogo com o Cotonete, descobri que é Pastor e se chama Vagner. Certamente, ele também deve ter percebido que sou católico, porque carrego um crucifixo, no peito, que sempre está visível. Mas a diferença de igreja a que pertencemos não nos impede de convivermos, conversarmos sobre religião e termos momentos aprazíveis quando nos encontramos.