O RETRATO

Um mero retrato na parede não é apenas um retrato

É uma representação, não de uma pessoa, mas de todos nós.

No retrato novo: a vivaz energia que move a juventude.

Em matizes definidas, cores vivas transbordam em gradações da mocidade,

como a espelhar força e tenacidade da vida que se acredita eterna.

Como a imortalizar a crença de que sempre seremos crianças, e jovens e moços.

O retrato antigo é testemunha dos fantasmas que perambulam pelas paredes da memória,

e assombram a casa que outrora abrigara dramas e sorrisos.

A gravura, esmaecida, insiste em vigiar os que lhe sucedem, como a inquirir insistentemente:

"O que fizestes dos teus dias?"

A moldura carcomida, na parede amarelada, afirma a fragilidade da matéria.

Ratificada no esmaecimento dos olhos, no fundo minado e pálido, qual painel pintado por débil artífice.

A imagem, descorada, é a presença da sentença dos dias, a desdobrar em ordem e imprevisibilidade todo um processo de aprendizagem, de erros e acertos, do ir e vir nos labirintos da vida.

O sorriso já é indefinido, o acaso do amadurecer já não é mais necessidade...

A emoção representada é volátil, falível, a presença é só uma imagem, imprecisa,

que ninguém mais olha, mas que se conserva, incólume às atenções dos novos que correm pelo piso desgastado.

E assim sucedem-se os descendentes, e ascendentes,

Até que um dia...

Alguém se lembra de jogar fora aquele estranho na parede

E perguntam:

"Quem era?"