A menina e a metralhadora
“Filho meu, ouve a instrução de teu pai, e não deixes o ensinamento de tua mãe,” Prov 1; 8
O preceito que submete filhos aos pais deriva de dois pressupostos lógicos. Primeiro: Os pais amam seus filhos; segundo: Sabem o que é melhor pra eles. Todavia, nem sempre as lentes pelas quais os pais veem a vida são suficientemente diáfanas. E uma visão baça pode ensejar manifestações doentias de amor.
O mundo está chocado com o “acidente” num stand de tiro no Arizona, USA, onde, uma menina de nove anos atingiu seu instrutor na cabeça, quando aprendia atirar com uma metralhadora Uzi; tudo, devidamente filmado pelos pais. Eu coloquei acidente entre aspas, pois, uma arma de tal potência, capaz de disparar rajadas em velocidade espantosa, sair do controle de uma frágil criança é bem previsível, não, acidental.
Não me deterei, por ora, na insanidade dos pais que patrocinaram essa loucura. Mas, numa distorção comum alimentada pela maioria, que o problema não está em nós, mas, nos outros. Dessa concepção derivam posturas que, errando o diagnóstico, naturalmente erram a receita. Se meu problema básico está em mim, preciso disciplina, ajuste, domínio próprio, humildade. Mas, se está no outro, careço proteção, poder para resistir à maldade alheia. Se puder fazer MMA, tiro, toda sorte de defesa pessoal, mais seguro serei.
O enfoque bíblico é preciso: “Educa a criança no caminho em que deve andar; até quando envelhecer não se desviará dele.” Prov 22; 6 A ideia é que a vida em sociedade nos faz devedores “à priori”; digo; entramos em cena devendo, em face às leis e regras estabelecidas antes de nós. Dado que nossa inclinação tende sempre ao mal, a disciplina acaba sendo uma necessidade.
Não que a maldade dos outros não seja problema; mas, na maioria das vezes, que eu posso evitar. “Filho meu, se os pecadores procuram te atrair com agrados, não aceites.” Prov 1; 10 Aqui temos um exemplo da sedução dos outros, mas, a decisão ainda é do um. Claro que a disciplina demanda o consórcio do ensino. Como evitar convite de pecadores sem ideia do que seja pecado?
Essa concepção que somos basicamente bons, a culpa é do sistema, da sociedade, do trânsito, enfim, do outro, permeia nossa cultura. Atentemos à campanha política! Os problemas estão todos do outro lado; as soluções do lado de cá, portanto, vote em mim! Isso é um vívido retrato de nossa vida moderna.
O egoísmo que nos leva a esperar o que não oferecemos é causa de muitos divórcios, inclusive. Todos esperam e cobram que seu cônjuge seja melhor, mas, quantos ousam tentar ser melhores em atenção à outra parte? Muitos casamentos não passam de stands de tiro onde os desajustados treinam para destruir melhor a próxima relação, ainda que nem percebam.
A Palavra de Deus jamais usa essas psicologices que transferem a culpa; antes, coloca o dedo na ferida; aponta o culpado. “De que se queixa, pois, o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus pecados. Esquadrinhemos os nossos caminhos, e provemo-los, e voltemos para o Senhor.” Lam 3; 39 e 40 Se os desvios são nossos, natural que o conselho seja que analisemos nossos caminhos.
Isaías propõe uma troca pelos caminhos de Deus. “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos, e se converta ao Senhor,…” Is 55; 7 O Salvador começou Seu apelo pelo mesmo prisma; “…Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” Luc 9; 23
Mas, um modo de vida arraigado, que caminha conosco desde sempre pode ser assim abandonado? Afinal, gostamos do novo, a título de curiosidade, não, quando nos afronta. É. O Salvador também pensava assim. “Não se deita vinho novo em odres velhos; aliás, rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.” Mat 9; 17 O vinho novo de Sua doutrina demanda odres novos que chamou “novo nascimento”. Aquele vetusto acostumado a ver apenas a maldade dos outros precisa ficar na cruz; feito isso, somos conduzidos em disciplina pelo Espírito e pela Palavra.
Qualquer um que mencionar nossa bondade inata, ou, ausência de culpa, logo identificaremos como enganador. Desde recém nascidos somos treinados no manuseio de uma Espada Poderosa, cujo alvo é a mentira. “Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo;” I Ped 2; 2
Erros alheios convém evidenciar com a luz de nosso testemunho, bom porte, não, com a insana metralhadora da acusação. “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam…” Mat 5; 16