Contraditórios

Certo é certo, errado é errado, mas Robin Hood é ladrão e tem muito mais fãs que o xerife de Nottingham.
 
O ser humano é um animal vertebrado, mamífero, primata, bípede, inteligente e... Contraditório. Muito contraditório!
Nenhum outro bicho tem essa nossa capacidade de relativizar as coisas. E, assim, condenamos as injustiças sociais, as diferenças abissais entre ricos e pobres, mas só até ficarmos ricos; nossa consciência ecológica se rende fácil a um belo naco de picanha, produzido, sabe-se lá a que custo ambiental; criticamos políticos corruptos e subornamos o seu guarda que nos pegou em flagrante; irrita-nos essa gente que não educa direito seus filhos, e os nossos, aos cuidados das babás; dói-nos o sofrimento de animais nas ruas, mas o nosso tem que ser da raça tal, pela qual pagamos fortunas; orgulhamo-nos de nossas cidades arborizadas e basta um engarrafamento para olharmos de soslaio os canteiros centrais, nos perguntando porque não são mais estreitos, nos favorecendo com mais faixas de rolagem…
A lista de nossas incongruências é grande, mas a que me inspirou hoje foi o intrigante Mc Dia Feliz, que objetiva ajudar crianças com câncer por meio da, veja você!, venda de comida cancerígena a crianças. Junkfood (comida-lixo) é o nome que se dá ao conjunto de alimentos e bebidas, normalmente oferecidos nessas lanchonetes: frituras, condimentos e refrigerantes, ricos em gorduras, açúcar e sal e pobres em nutrientes. Já foram exaustivamente testados e são, comprovadamente, catalisadores das predisposições genéticas ao câncer, diabetes e cardiopatias.
A soma arrecadada pela grande rede de sanduíches além da publicidade gratuita durante a campanha podem ser fundamentais para a GRAACC, o que talvez explique a estranha parceria.
Triste, porém, é saber que se não fosse o chamariz do Big Mac - ou da Rede Globo, com seu Criança Esperança -, muita gente jamais doaria um centavo.
Bom seria, se nossa generosidade não precisasse de campanha, fosse voluntária e regular, sem atravessadores. Melhor ainda, se nossos impostos servissem para cobrir as carências do terceiro setor.
Seria pedir demais? Peço assim mesmo.
Sou otimista, apesar de descrente.
Contraditório, né!?

 
Texto publicado no Jornal Alô Brasília de 29/08/2014.