EM ALGUMA FRASE DESSE TEXTO

Todo mundo, um dia, esteve no topo e não teve consciência disso. Acontece que, quando estamos no topo, nunca acreditamos que ali, diante daquelas coisas que acontecem, o reconhecimento notório e tapinhas nas costas possa significar que, finalmente, chegamos lá. Eu estive no topo e também não sabia.

Estive no topo das questões sociais, nas tomadas de decisões, na febre dos dias que nunca terminavam, das reuniões infindáveis e das polêmicas, às vezes, vazias. Eu estive no topo daquilo que queria e não me dei conta disso, não tive uma orientação prévia que pudesse eternizar o momento, no máximo algumas comemorações festivas e nada mais. Isso acontece quando estamos no topo e acreditamos que isso não passa de uma obrigação.

Também estamos no topo quando estamos em paz com a família, com aqueles por quem sentimos alguma coisa muito maior do que as palavras podem expressar. Estamos no topo quando dormimos e acordamos com um sorriso de integridade. Estamos no topo quando choramos em uma cena de filme porque nos fez lembrar um momento de felicidade.

Eu estive no topo quando aprendia a cantar os sambas que minha mãe cantava; quando esperava meu pai chegar em casa para desejar boa noite e dormir com o paladar das balas que ele trazia; quando trocava o apelido de um colega pelo seu nome próprio para não constranger; quando peneirava a gaveta da cômoda no quarto dos meus pais, atrás dos recortes das trovas publicadas nos jornais que minha mãe colecionava.

Eu, agora, neste momento, estou no topo, no auge da minha existência, no contexto do bordado em meio aos retalhos que escolhi para costurar a minha roupa nova. O meu texto engavetado virou um dragão, que voando sobre um vulcão é atingido por uma pedra e, soltando um grito de fogo, feito um solo tirado de um concerto de Keith Jarret, chega como música aos ouvidos de quem acaba de se encontrar em alguma frase desse texto.

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 28/08/2014
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