O FENÕMENO MARINA

Sabemos todos que o modelo adotado para assegurar a governabilidade esgotou-se. A política de alianças tornou-se, aos olhos de grande parte da opinião pública, um instrumento de interesses políticos partidários e pessoais. Um sintoma da degenerescência dos costumes políticos que levam a outras deformações, impedindo ou retardando a consecução dos objetivos nacionais. Fenômeno semelhante ocorre com diferentes variáveis em diversas outras Nações. Barak Obama que o diga.

Não nos esqueçamos que em política o fato importa menos que a sua versão. O Congresso Nacional votou leis de grande relevância nestes últimos anos. Não faltou ao seu papel, justiça seja feita. Mas a leitura da Sociedade é outra: insatisfeita com a prestação de serviços essenciais e a corrupção generalizada, culpa os políticos. Há que se reconhecer que estes, diante de tantos fatos, não têm como se isentar. A Sociedade, na sua grande maioria, quer uma ampla modificação nos costumes políticos.

Este é o fato político.

Historicamente a moralização dos costumes políticos nutriu, com diferentes motes, a ascensão de Janio Quadros (eleito em 1960) e de Fernando Collor (eleito em 1989). Ambos foram eleitos defendendo bandeiras equivalentes, digamos assim, passando por cima das alianças que lhes assegurariam a maioria no Congresso. Os dois Presidentes não chegaram ao final do mandato.

Uns atribuem estes conflitos à natureza do regime presidencialista, mas há muitas outras razões, entre elas a que o povo melhor infere: os interesses encastelados no Poder. Estes interesses encarnam o que, no plano político-institucional se visualiza como o “sistema”. Este é quem nutre o verdadeiro Poder. A ele se oporiam os “Ideais republicanos”.

Esta quase metáfora simboliza o contraponto que marca a nossa evolução republicana. Claro que a realidade é muito mais complexa do que digo aqui. Os políticos não são categoricamente a favor ou contra o “sistema”; de um modo geral atuam numa zona cinzenta, dão uma no cravo outra na ferradura. E isto vem de longe: que País emergiu da Colônia ungindo como Imperador o sucessor do trono real da nação colonizadora? Que país teve um Presidente que era tachado por seus oponentes como “Pai dos pobres e Mãe dos ricos?”.

A ambiguidade sempre foi a regra.

No atual momento Marina encarna a oposição ao “Sistema”, ainda que respeitando as regras do jogo impostas por ele. Mesmo não vaticinando, é forçoso reconhecer que tem grandes chances de se eleger. E isto por uma razão simples: os outros candidatos tem um passado atuando no Poder Executivo de acordo com as regras do sistema, ou seja, barganhando apoios, concedendo, cedendo. A governabilidade, seja para sustentar a maioria, seja para criá-la, está cada vez mais cara. Perdeu-se o pudor de pleitear em causa própria. Marina não tem este passado, posto que nunca não foi chefe do Executivo e , quando fez parte dele, como Ministra , demitiu-se logo que sentiu que estava sendo colocada à margem das decisões centrais de sua área. Como Jânio Quadros, manifesta desprezo pelo Poder em si, visto como um fim e não um meio.

Alguém disse:

A Marina não tem a nossa forma de fazer política.

O que queria dizer com isto?

Queria dizer que a Marina desagrega, delimita, exclui. Ou seja, a postura oposta a de que hoje domina o cenário político: faço acordo até com o Demônio, se for necessário, desde que consiga impor os meus objetivos. Os fins justificam os meios. Tal prática deu no que estamos vendo hoje no Brasil.

Quando Lula se aliou ao Paulo Maluf pedindo votos para o

Fernando Haddad deu, com a dimensão de sua popularidade, um péssimo exemplo.

Será que o pragmatismo de Lula valeu a pena?

Apesar de reconhecer a sua estatura pelo que deu ao povo, acredito que não. O preço, em outro nível, foi altíssimo: o absoluto descrédito nas instituições. É claro que não é só culpa dele. Mas não pode se isentar.

Na verdade o dilema de Marina é diabólico: até agora ela não era, como os outros candidatos, refém do sistema. Uma vez candidata, para ser viável eleitoralmente e em termos de governabilidade começará a ter as mãos amarradas também. Sem um mínimo de acordos pode até colocar a coroa na cabeça, mas como a Rainha da Inglaterra, não governará. Ou só governará dançando a música que a banda toca. Sua tarefa é complicada, difícil. Até que ponto poderá ir sem que se desfaça o mito?

Por esta razão terá que dizer, com muita clareza, a que veio.

Terá que aprofundar o Projeto de Governo do seu Partido e dos Aliados.

Terá que esclarecer e priorizar várias questões ligadas ao Meio Ambiente e ao Crescimento Sustentável.

Terá que buscar formas viáveis de assegurar a atividade econômica, de fazer opções e acordos.

Terá que ouvir.

Terá que ceder.

Mas não poderá trair de forma alguma, sob qualquer pretexto, a atitude básica que tem adotado: a ética e a coerência começam nos meios e não apenas nos fins. Se o fizer, deixará de ser a Marina.

Marina já provou, por suas atitudes, que o primado do pragmatismo não se justifica. Já provou – até contra a opinião de correligionários – que não pretende ganhar a eleição a qualquer custo. Sabe que fazer o acordo com o Demônio para chegar ao Poder só levará à perpetuação da mesmice, o que representaria a destruição de sua figura política. O Brasil não quer isto.

De outro lado, a postura de irredutibilidade em todas as situações não se revelou historicamente eficaz para a execução do que se almeja.

Hoje o desafio maior dos candidatos é restabelecer o elo , a conexão entre o Brasil institucional e o Brasil de fato.

Quem tiver maior capacidade de consolidar uma imagem de que restabelecerá este elo provavelmente ganhará a eleição. A credibilidade tem que ser ampla, ultrapassar os campos de governo e oposição, ou seja, o campo da política.

Diz-se que os índices de intenção de voto em Marina são fruto do imenso choque sofrido pelo país com a trágica morte de Eduardo Campos. É claro que há uma influência. Mas a morte de Eduardo Campos acabou com uma contradição, que era a candidata a Vice ser mais conhecida e portanto ter mais votos que o candidato principal. Reconheçam ou não a Marina era, para os eleitores que está conquistando e que até agora se encontram na faixa dos indecisos, a avalista do candidato. Isto naturalmente não quer dizer que quando atingisse uma dimensão nacional, o que ocorreria na campanha, a imagem de Eduardo Campos não se ampliasse, até superando a sua Vice. Mas até o momento da tragédia foi assim.

Tancredo Neves dizia que a Presidência é destino.

Apesar de nossa tendência de projetar todas as nossas ansiedades políticas numa figura carismática que salve o Brasil de suas agruras ( Getúlio, Jânio, Collor, Lula) sabemos no fundo que um Presidente não governa se atingir certo grau de isolamento. Não esperemos que o eleito seja o Salvador da Pátria – não será. E nem o estamos elegendo para isto.

Na verdade é a Pátria que se governa através das estruturas montada para isto. Quando isto não acontece rompe-se o elo entre governantes e governados. A Presidência é um emblema das aspirações nacionais corporificadas na pessoa eleita para comandar a realização destas aspirações. No momento, a maior das aspirações coletivas é uma radical mudança no comportamento dos políticos. Por força de uma tragédia Marina foi lançada inesperadamente para o primeiro plano. Encarna, pelas circunstâncias de sua vida, por sua personalidade e por sua imagem pública esta aspiração coletiva. Por esta razão tem reais condições de restabelecer o elo perdido com o povo brasileiro, do qual se origina e do qual nunca saiu.