Manhã dolorida!
Naquele dia ele chegou a sua casa muito cedo; eram duas horas da madrugada. Pisando suave entrou em casa para não acordar ninguém, despiu-se do velho macacão surrado com qual trabalhava no posto de gasolina de periferia. Para não acordar assustada a sua amada, que o médico havia lhe receitado um antidepressivo, foi deitar-se no quatro de empregada onde havia uma pequena cama de solteiro sem que ali tivesse deitado ou deitada alguma pessoa, a jovem empregada havia ido para a roça visitar os pais. Em palavras sussurradas agradeceu a Deus mais um dia sem assaltos.
A razão de haver chegado tão cedo de casa, foi a interdição do posto pela venda de gasolina adulterada, coisa do seu patrão. Mas ele não adulterava, é ainda um homem fiel ao lar e aos seus princípios cristão razão pela qual seu salário, que oscilava entre o mínimo e máximo que conseguia ajuntar de comissões, com venda dos lubrificantes acessórios, rendia e era abençoado; não fumava, não bebia, não jogava, não ia a um motel com uma daquelas meninas que se ofereciam a prostituição na calçada frontal ao seu trabalho. Era um dinheiro abençoado com parte destinado a educação dos filhos, e também para o dízimo de sua congregação evangélica.
E ele em profundo silêncio, dormia e enganava o frio com uma não tão nova colcha de retalhos que lembrava a vida de pobre, cheia de remendos! Amanhece o dia em São Paulo e também no Sertão da Bahia, de onde Raimundo havia saído de mãos com Filomena, ainda novos e noivos. Os filhos que já se somavam a oito marcavam diversas etapas da vida, e lembranças das madrugadas nas filas do SUS para cada pré-natal, para cada rápido atendimento e por fim o parto. Cada filho ou filha nascida era uma poção de alegria. O casal agradecia a Jesus Cristo Salvador por apenas eles “doentes da pobreza”, enquanto todos da família gozavam de saúde e resistência pela falta de alimentos de qualidade.
Filomena acorda às seis da manhã e côa o café ralo, economizando o pó, vai a padaria da esquina e compra um sacola de pães dormidos que são mais saudáveis, e mais baratos. Fritou dois ovos para o marido, com banha de porco para dar mais sustância. Só o chefe da casa tem direito aos ovos, pois afinal é ele que chega pela manhã de cada dia após a uma noite entorpecido de tanto cheirar produtos químicos. “Pior que cola de sapateiro”, costumava ele reclamar. Naquela manhã especial, tudo dentro de um ritual, o café e os ovos do marido já estava sobre a mesa, coisa que as crianças e principalmente a jovem empregada (quando não estava de folga|) babavam por tal iguaria.
Um forte grito e Filomena caída ao chão, desmaiada após um grito e um choro de dor. Amorteceu a sua queda a obesidade mórbida. O rádio ligado anunciava o assalto a um posto de gasolina com seqüestro a um dos frentistas. Filomena havia olhado para o relógio que indicava mais de sete horas da manhã, horário em que pontualmente seu amado já estava à mesa orando e agradecendo o café da manhã. Sem que ninguém lembrasse que não existe apenas um posto de gasolina em São Paulo! Os gritos foram tantos que Raimundo acorda e sai do minúsculo quarto da empregada.
Sua aparição no ambiente do desespero acabou provocando um novo desmaio na esposa, que já se recobrava do primeiro. Foi o dia em Raimundo desejou ter sido assaltado, afinal os assaltantes, se ele não reagisse, apenas o levavam e soltavam quilômetros após, enquanto naquele momento já nem sabia calcular a quantidade de tapas e xingamentos que havia recebido da família; afinal a tendência dos filhos é seguir os exemplos da mãe. E depois deste dia, mesmo que não haja nenhum adultério (na gasolina do posto), quando chega mais cedo na madrugada vai derrubando cadeiras, e gritando “Querida, cheguei!”.
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(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, e nunca gritou “Querida, cheguei!”, porque sempre está presente!