Lei do retorno
Castigo
O menino olhava a rua através da janela. Sorria assistindo a brincadeira das outras crianças. Cada vez que alguém fazia um gol, seus pezinhos se retorciam como se o chute tivesse sido dado por ele. Gostava de também das gargalhadas e da gritaria aguda dos meninos. Um soco na cabeça dado pelo pai, seguido das palavras ”sai dai aleijão” trouxe lágrimas aos seus olhos. Não entendia o motivo da agressão, mas entendia o insulto.
Nascera com uma deformidade em um dos pés. Usava bota ortopédica e muleta para se locomover. Raras vezes saíra de casa e não tinha amigos. Seu pai proibia qualquer tipo de contato dele com o mundo lá fora. Dizia que o filho era um castigo. Que Deus os castigara por alguma coisa ruim que fizeram ou por algum mau pensamento. Nunca gostara do garoto e o mantinha isolado como punição. A mãe não julgava o filho como castigo, mas olhar para ele causava-lhe irritação. Ele estava sempre com olhos chorosos, e o fato de não poder sair com frequência para ficar tomando conta da criança a aborrecia demais. Há oito anos vivia em função do aleijadinho (era assim que o chamavam).
Tramaram então sua morte. No seu aniversário de nove anos serviram-lhe um bolo recheado de veneno. A criança morreu sorrindo, feliz com a única e última comemoração da sua vida.
Meses se passaram. A mulher adoeceu de uma doença grave. Precisava de uma transfusão de sangue, mas o tipo de sangue era raro. Só o filho morto possuía. Ela foi definhando dia a dia e por fim faleceu. O marido entrou em depressão com a morte da esposa. Passou a se embriagar todos os dias. Perdeu o emprego e teve a casa tomada pelo banco. Virou morador de rua. Uma noite foi atropelado por um carro e teve as duas pernas amputadas. Passou a se arrastar pelas ruas mendigando. Algumas pessoas o ajudavam, outros se afastavam com nojo e o chamavam de aleijado. Houve até quem lhe batesse para que deixasse de incomodar. A fome e a doença eram suas fieis companheiras tornando seus dias longos e dolorosos. Não suportando mais ele se matou.