F – O Social é Marcado pelo Religioso na Barbacena Oitocentista.
Se na praça ocorriam as representações teatrais, a ociosidade e os castigos corporais no pelourinho que ficavam neste espaço, nas igrejas ocorriam o social com a divisão de gênero, a saber:
“As mulheres sem distinção de classe, colocam-se ao meio da igreja agachadas ou de joelhos; os homens mais conhecidos e mais bem vestidos se postam dos dois lados, nesse espaço que acabei de descrever e que é separado do resto da nave por uma balaustrada; os negros, finalmente, e a gente da classe baixa fica à porta.”(p.63)
Além da descrição feita por Saint-Hilaire sobre a distinção de gênero que ocorria para assistir à Missa, depreende-se que havia também diferenciação social pelo local em que se postavam as pessoas, quanto ao traje que vestiam e a etnia a que pertenciam.
A condição comportamental era imposta às mulheres que gozavam de estado social “livre”. Mas não possuíam liberdade de escolha quando se mostravam em público – na igreja ficavam ao centro, agachadas ou ajoelhadas. E quando se dirigiam em família para assistirem à Missa tinham que obedecer a um ritual de caminhada. Leiamos:
“Quando nessa província, como mais ou menos em todo o resto do Brasil, uma família se dirigia à igreja, as mulheres caminham em seguida uma às outras o mais lentamente possível, e formam assim uma espécie de procissão. Não dizem nada, não voltam a cabeça nem à direita nem à esquerda, olham para os que passam de soslaio, e respondem apenas por um ligeiro movimento de cabeça à saudação que se lhes fazem.”(p.63)
É curioso também ressaltar e deixar claro que na realização do culto, a celebração da missa, indiferente do gênero, da etnia e da condição social se participava com a postura em pé ou agachada ou ajoelhada. Não havia assentos, bancos ou cadeiras conforme a transcrição das anotações de Saint-Hilaire acima.
Ao pensar no feminino somos levados a imaginar a moda e perguntamos como se vestiam as mulheres na Barbacena do início do oitocentista? Deixamos nosso relator francês explanar:
“Passamos um dia de festa em Barbacena, e tive ocasião de observar os trajes que as mulheres usam na igreja. A maior parte trazia sobre os ombros grandes capas de um tecido pesado e espesso, geralmente cor-de-rosa ou escarlate, de mangas pendentes e gola larga. As mais velhas, as menos ricas, e grande parte das negras tinham a cabeça coberta por um toucado que excedia a fronte à maneira de uma coifa, e, passando sob o queixo dessas damas, o cobria às vezes com uma parte da boca; outras senhoras mais elegantes tinham o chale arranjado como turbante, e as mais bem vestidas, enfim não usavam coisa alguma à cabeça.”(p.63).
O traje expunha a condição econômica do feminino.
Uma vez que falamos no feminino somos tentados a imaginar como vivia a mulher não só em Barbacena, mas em toda Minas tão gerais? Encontramos respostas no seguinte texto:
“...as mulheres que vivem na sua pequena cidade nem mesmo sabem ler, salvo raras exceções, são educadas apenas para as prendas domésticas. Mas elas movem aquela região com uma força de trabalho inusitada. As pobres trabalham de criadas, costureiras, doceiras, bordadeiras, cozinheiras, lavadeiras, parteiras, fiandeiras. Viúvas criam gado ou fazem plantações, fabricam queijo, pão. Escravas trabalham na mineração incumbindo-se dos serviços menos pesados, coisas pequenas e baratas. Alforriadas oferecem, de arraial em arraial, doces, pastéis, bolos, banana, mel, aguardente, tabaco, ou vendem seus próprios corpos, ou fazem contrabando de ouro.”(Miranda)*
São estas mulheres que, então, que trabalham em casa com prendas domésticas, serviços gerais e, outras que vendem o que possuem: seus corpos.
Saint-Hilaire as viram assistindo missa na Matriz da Piedade em seu interior e outras na praça e pensões dos arredores da igreja se prostituindo .
Nestes séculos que se passaram a região e a municipalidade de Barbacena viu quais mudanças?
Quais os traços econômicos e culturais que permanecem?
A Matriz da Piedade continua ali como monumento central da cidade testemunhando a História e a Cultura desta gente.
Suas missas são realizadas e assistidas pelas senhoras burguesas.
As operárias do sexo em sua praça e pensões ao redor do templo se ofertando.
Na praça continua o teatro se desenrolando através de diversos atos e variados atores. Cada um protagonista de suas histórias, coadjuvantes da cidadania que se faz e figurantes que meramente passam por ali – encontro do sacro e do profano no mesmo espaço geográfico.
Vimos que a região, devido ao seu clima tropical de altitude, possuía culturas agrícolas próprias de áreas amenas. Por isto também a alcunha de ‘Cidade das Rosas’. Mais tarde, devido a este mesmo clima, a de ‘Cidade dos Loucos’ quando a amenidade climática era considerada propícia ao estabelecimento de hospitais psiquiátricos.
Pensa-se: Há condições de investimento para aquilo que despertou a vida urbana, ou seja, o comércio, dado o fator de ser cruzamento de rotas de outros centros maiores como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo?
Como se comportam os senhores, senhoras e cidadãos hoje de nossa cidade? Preocupam-se com o social?
Encerramos nossa prosa: aquilo que somos no presente o passado semeou.
Falta ainda ressaltarmos um detalhe da área médica. Uma determinada endocrinologista da cidade, em uma conversa informal através de uma consulta particular relatou o fato de que Barbacena é conhecida pelo número de pessoas com problemas na glândula tireoide. Isto foi caso que chamou a atenção também de Saint-Hilaire que em sua viagem feita em 1816 descreveu esta notoriedade que é, então, um problema de saúde histórico:
“Quase todos os que encontrávamos, homens e mulheres, brancos e gente de cor, tinham um grande bócio.”(p.67)
O bócio que denuncia historicamente este problema de saúde relacionado à área endócrina.
Cita-se Mirian Ibañez que afirma:
“Sempre faz sentido olhar para o passado com a intenção de aprender suas lições e compreender, em profundidade o presente.”
Leonardo Lisbôa
P.S. Este texto faz parte de um estudo sobre a Municipalidade de Barbacena que traz por título “Respostas do Ontem para Barbacena de Hoje”. Já publicamos anteriormente:
A – O Ontem Tem Alguma Importância: o auxílio da Psicologia e da Psiquiatria
B – A Herança que Barbacena Recebeu
C – O Descaso e a Indolência Perpassam o Imaginário Barbacenense
D – A Supresa de Saint-Hilaire com Barbacena: Flores e Prostituição.
E – O Teatro em Barbacena que Saint-Hilaire Vislumbrou.
Texto Básico:
Cap. V – Desde a Entrada do Campo até Vila Rica. Vilas de Barbacena e Queluz. Em: SAINT-HILAIRE, Auguste de – Viagem Pelas Províncias do Rio de janeiro e Minas Gerais. – Ed. da Universidade de São Paulo. Livraria Itatiaia Editora LTDA.
*MIRANDA, Ana – Um rosto marcado pela História das Mulheres – Em Cadernos de Literatura Brasileira, Adélia Prado – Instituto Moreira Salles – Nº 9 – Junho de 2000 - p.128
Se na praça ocorriam as representações teatrais, a ociosidade e os castigos corporais no pelourinho que ficavam neste espaço, nas igrejas ocorriam o social com a divisão de gênero, a saber:
“As mulheres sem distinção de classe, colocam-se ao meio da igreja agachadas ou de joelhos; os homens mais conhecidos e mais bem vestidos se postam dos dois lados, nesse espaço que acabei de descrever e que é separado do resto da nave por uma balaustrada; os negros, finalmente, e a gente da classe baixa fica à porta.”(p.63)
Além da descrição feita por Saint-Hilaire sobre a distinção de gênero que ocorria para assistir à Missa, depreende-se que havia também diferenciação social pelo local em que se postavam as pessoas, quanto ao traje que vestiam e a etnia a que pertenciam.
A condição comportamental era imposta às mulheres que gozavam de estado social “livre”. Mas não possuíam liberdade de escolha quando se mostravam em público – na igreja ficavam ao centro, agachadas ou ajoelhadas. E quando se dirigiam em família para assistirem à Missa tinham que obedecer a um ritual de caminhada. Leiamos:
“Quando nessa província, como mais ou menos em todo o resto do Brasil, uma família se dirigia à igreja, as mulheres caminham em seguida uma às outras o mais lentamente possível, e formam assim uma espécie de procissão. Não dizem nada, não voltam a cabeça nem à direita nem à esquerda, olham para os que passam de soslaio, e respondem apenas por um ligeiro movimento de cabeça à saudação que se lhes fazem.”(p.63)
É curioso também ressaltar e deixar claro que na realização do culto, a celebração da missa, indiferente do gênero, da etnia e da condição social se participava com a postura em pé ou agachada ou ajoelhada. Não havia assentos, bancos ou cadeiras conforme a transcrição das anotações de Saint-Hilaire acima.
Ao pensar no feminino somos levados a imaginar a moda e perguntamos como se vestiam as mulheres na Barbacena do início do oitocentista? Deixamos nosso relator francês explanar:
“Passamos um dia de festa em Barbacena, e tive ocasião de observar os trajes que as mulheres usam na igreja. A maior parte trazia sobre os ombros grandes capas de um tecido pesado e espesso, geralmente cor-de-rosa ou escarlate, de mangas pendentes e gola larga. As mais velhas, as menos ricas, e grande parte das negras tinham a cabeça coberta por um toucado que excedia a fronte à maneira de uma coifa, e, passando sob o queixo dessas damas, o cobria às vezes com uma parte da boca; outras senhoras mais elegantes tinham o chale arranjado como turbante, e as mais bem vestidas, enfim não usavam coisa alguma à cabeça.”(p.63).
O traje expunha a condição econômica do feminino.
Uma vez que falamos no feminino somos tentados a imaginar como vivia a mulher não só em Barbacena, mas em toda Minas tão gerais? Encontramos respostas no seguinte texto:
“...as mulheres que vivem na sua pequena cidade nem mesmo sabem ler, salvo raras exceções, são educadas apenas para as prendas domésticas. Mas elas movem aquela região com uma força de trabalho inusitada. As pobres trabalham de criadas, costureiras, doceiras, bordadeiras, cozinheiras, lavadeiras, parteiras, fiandeiras. Viúvas criam gado ou fazem plantações, fabricam queijo, pão. Escravas trabalham na mineração incumbindo-se dos serviços menos pesados, coisas pequenas e baratas. Alforriadas oferecem, de arraial em arraial, doces, pastéis, bolos, banana, mel, aguardente, tabaco, ou vendem seus próprios corpos, ou fazem contrabando de ouro.”(Miranda)*
São estas mulheres que, então, que trabalham em casa com prendas domésticas, serviços gerais e, outras que vendem o que possuem: seus corpos.
Saint-Hilaire as viram assistindo missa na Matriz da Piedade em seu interior e outras na praça e pensões dos arredores da igreja se prostituindo .
Nestes séculos que se passaram a região e a municipalidade de Barbacena viu quais mudanças?
Quais os traços econômicos e culturais que permanecem?
A Matriz da Piedade continua ali como monumento central da cidade testemunhando a História e a Cultura desta gente.
Suas missas são realizadas e assistidas pelas senhoras burguesas.
As operárias do sexo em sua praça e pensões ao redor do templo se ofertando.
Na praça continua o teatro se desenrolando através de diversos atos e variados atores. Cada um protagonista de suas histórias, coadjuvantes da cidadania que se faz e figurantes que meramente passam por ali – encontro do sacro e do profano no mesmo espaço geográfico.
Vimos que a região, devido ao seu clima tropical de altitude, possuía culturas agrícolas próprias de áreas amenas. Por isto também a alcunha de ‘Cidade das Rosas’. Mais tarde, devido a este mesmo clima, a de ‘Cidade dos Loucos’ quando a amenidade climática era considerada propícia ao estabelecimento de hospitais psiquiátricos.
Pensa-se: Há condições de investimento para aquilo que despertou a vida urbana, ou seja, o comércio, dado o fator de ser cruzamento de rotas de outros centros maiores como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo?
Como se comportam os senhores, senhoras e cidadãos hoje de nossa cidade? Preocupam-se com o social?
Encerramos nossa prosa: aquilo que somos no presente o passado semeou.
Falta ainda ressaltarmos um detalhe da área médica. Uma determinada endocrinologista da cidade, em uma conversa informal através de uma consulta particular relatou o fato de que Barbacena é conhecida pelo número de pessoas com problemas na glândula tireoide. Isto foi caso que chamou a atenção também de Saint-Hilaire que em sua viagem feita em 1816 descreveu esta notoriedade que é, então, um problema de saúde histórico:
“Quase todos os que encontrávamos, homens e mulheres, brancos e gente de cor, tinham um grande bócio.”(p.67)
O bócio que denuncia historicamente este problema de saúde relacionado à área endócrina.
Cita-se Mirian Ibañez que afirma:
“Sempre faz sentido olhar para o passado com a intenção de aprender suas lições e compreender, em profundidade o presente.”
Leonardo Lisbôa
P.S. Este texto faz parte de um estudo sobre a Municipalidade de Barbacena que traz por título “Respostas do Ontem para Barbacena de Hoje”. Já publicamos anteriormente:
A – O Ontem Tem Alguma Importância: o auxílio da Psicologia e da Psiquiatria
B – A Herança que Barbacena Recebeu
C – O Descaso e a Indolência Perpassam o Imaginário Barbacenense
D – A Supresa de Saint-Hilaire com Barbacena: Flores e Prostituição.
E – O Teatro em Barbacena que Saint-Hilaire Vislumbrou.
Texto Básico:
Cap. V – Desde a Entrada do Campo até Vila Rica. Vilas de Barbacena e Queluz. Em: SAINT-HILAIRE, Auguste de – Viagem Pelas Províncias do Rio de janeiro e Minas Gerais. – Ed. da Universidade de São Paulo. Livraria Itatiaia Editora LTDA.
*MIRANDA, Ana – Um rosto marcado pela História das Mulheres – Em Cadernos de Literatura Brasileira, Adélia Prado – Instituto Moreira Salles – Nº 9 – Junho de 2000 - p.128