DAS AMBIÇÕES

                                  REPUBLICAÇÃO



 
     Sempre fui ambiciosa, da maior de todas as ambições: vir a saber-me ser, um ser real, um ser com plena ou ao menos relativa posse de si mesmo. Junto com isso, sonhei-me um ser para o amor, dado e recebido, nos múltiplos sentidos em que se entende seja o amor, o principal deles pressupondo nossa utilidade no mundo: às pessoas, a si próprio, a um ideal.
     Creio que, no plano em que todos vivemos, é muito difícil senão impossível, separar o ser do ter. Assim, no plano do ter, exercemos uma profissão, mas, a profissão, quando tem, deveras, a ver conosco, é também, uma manifestação do nosso ser; quando não, é apenas um simulacro.
     No que se refere ao trabalho, enquanto eu ainda estava no que se chama vida ativa, doei a ele, trabalho, toda minha dedicação e meu cuidado. Eu fui professora. Assim também nas relações amorosas, doei-me toda e sem reservas às necessidades dos seres amados, no "infinito enquanto dure" dessas relações. Também aos meus amigos me tenho doado, tentando sempre aceitá-los nas suas contingências pessoais, mantendo-me perto e o mais solidária que possa e consiga, sempre sabendo que, por mais íntimos que sejam, não tenho como alcançá-los, nem eles a mim, nos nossos segredos mais fundos, os abissais, esses que escapam a classificações claras e, muitas vezes, escapam à tutela da razão, logo às suas soluções.
     Sempre amei escrever e sempre amei cantar. Nunca busquei a construção de uma carreira como escritora ou como cantora, embora saiba que poderia tê-lo feito, porque - eu o sei - não escrevo nem canto mal. Faltou-me determinação, faltou-me determinar limites nas minhas relações com as pessoas e, não por culpa delas, ter tomado, muitas vezes, como minhas, contingências e dificuldades que eram delas. De todo modo, não creio que uma carreira artística ou outra qualquer possam, por si só, fazer com que alguém se saiba um ser. Pode ajudar nisso, pode, ao menos, servir como anestesia para o vazio.
     Por que escrevo tudo isso? Antes de tudo, para recordar-me de mim, para dizer-me a mim, apesar das múltiplas mortes que me têm acossado, não piores do que as mortes que acossam a todos, ainda que para cada um de forma diversa e para diferentes caminhos de solução, assim como para tempos também diversos de superação.
 

 
No início da noite de 18 de novembro de 2011.