MORTES QUE MUITO ME MARCARAM: 2. MABEL MINHA IRMÃ
Mabel era terceira filha de mamãe. Éramos seis: três meninas e três meninos.
Desde pequenininha sempre fora a mais calma e silenciosa. Embora meio geniosa. Gordinha quando menina, apelidamos ela de "Garrafão".
Ela adorava desenhar e cantar. Ainda miúda ela inventou essa música: "eu fui na canoinha buscar minha bonequinha ela estava brincando era de panelinha....eu disse venha ca e dei um beijinho nela..la la la la la la sentinela". Meio doidinha mas ela adorava cantar, mimando a boneca "odaléia" que herdou de mim e que depois ficou de herança pra minha irmã Albinha quando ela ganhou outra nova, a Lourdinha.
Mabel sempre fora a mais querida da mamãe e de todos nós. Pela sua forma de ser afetuosa e dedicada. Embora bem mais jovem que eu, éramos parceiras e confidentes. Por isso quando me separei de meu esposo e fui morar na Praça do Pirulito com meus dois filhos, ela deixou mamãe e nessa época era a única filha solteira, e foi morar comigo.
Uma das coisas que marcou nossa relação foi a forma como ela dividiu sua vida comigo e meus filhos. Naquela época eu trabalhava era professora e ainda fazia pós graduação na faculdade e contava com a ajuda dela pra ficar com eles e tomar conta da casa. Portanto, o horário que ela não estava estudando, pois fazia Pedagogia na UFAL, ela estava com meus filhos ainda pequenos Claudinho e Sérgio .
Certo domingo estávamos passando o dia na casa da mamãe, quando recebemos visita de Carminha Feitosa amiga da família que convidou Mabel para passar uns dias com ela em Salvador. O marido dela José Alves Feitosa ( Nezito) que trabalhava na Caixa Econômica havia sido transferido e ela queria que minha irmã conhecesse o apartamento novo deles.
Mabel me indagou reticente parecendo não querer ir. Dei a maior força pois a faculdade estava em greve e ela estava triste pois havia terminado o namoro com Francisco irmão de Nezito seu primeiro e prticamente o único namorado. Argumentei que ela fosse e passasse uns dias conhecendo pessoas diferentes e aproveitasse o tempo livre.
Mamãe também deu a maior força para que ela viajasse. No dia seguinte voltou la em casa e pegou uma camisola minha pra levar na viagem. Nessa noite aconteceu uma coisa curiosa, digo assim por falta de outro qualificativo. Posso dizer também uma coisa misteriosa, mas que foi “um fato," ponto. Enquanto ela procurava a camisola sentimos um cheiro forte de algum coisa queimando. Minha amiga Clélia e Maria José estavam em minha casa e conosco ficou a procurar de onde vinha aquele cheiro estranho. Nada encontramos e Mabel se despediu.
Logo que chegou ela pediu a mamãe que enviasse o dinheiro da passagem pois queria vir embora. Mamãe disse que estava esperando receber dinheiro e que ela deixasse pra vir com o pessoal no dia das mães que seria no próximo domingo.
Durante a semana acontecera mais duas coisas estranhas. Jaqueline nossa vizinha que frequentava minha casa, pediu socorro pois seu colchão estava incendiando. Autocombustão dizia ela desesperada: - Começou a pegar fogo do nada! Ajudamos a apagar o fogo, ponto. A outra coisa estranha é que minha amiga Clélia ficava o tempo todo dizendo que alguma coisa muito triste iria acontecer...e que era com muita gente. Interpelou um amigo nosso, Celso Padilha e repetiu sobre a mesma suspeita. Isso ela repetia o tempo todo durante toda a semana.
No domingo fui pra Cruz das Almas passar o Dia a Mães com minha mãe. Esperávamos Mabel e a Familia Feitosa. E nada deles chegarem. Eu passava ferro à roupa . E de repente me veio uma saudade enorme de minha irmã. Aí falei pra minha mãe: - estou com saudade de minha "nega" aff., chega dói de tanta saudade". Mamãe repetiu que também estava e curiosamente colocou um disco de Clara Nunes e começou a dançar em circulo no meio da sala. Achei super estranho pois parecia que estavam hipnotizadas num ritual diferente. Tia Lourdes e meu primo Jorge acompanhou aquela dança circular. Da porta fiquei observando aquele comportamento. Uma energia estranha parecia pesar no ar.
A noite fomos dormir cedo. Não havia celular naquela época e na casa de mamãe não havia telefone. Dormimos cedo: Mamãe, eu, meus filhos e minha irmã Albinha. Aliás deitamos, porque mamãe gemeu a noite toda não nos deixando dormir...dizendo baixinho: - ...porque minha filhinha você não chega?
Pela manhã voltamos pra casa. Albinha morava pertinho de mim. Estava na casa dela quando já ouvi os “urros” de minha mãe entrando com Clélia que dizia pesarosa... morreram todos...horrível...morreram todos. Mamãe desesperada explicava meio atônita que devia haver um engano mas que procurou Clélia e foram na telefonia ligar para a Caixa Econômica a procura do Nezito. A telefonista perguntou: - A senhora não soube? Ele foi com a família para Maceió, o carro bateu num ônibus e morreram todos queimados.
Deveria ser engano Deus não iria permitir uma coisa dessa com minha mãe. Mandei meu filho ir correndo chamar meu ex-marido que amava muito minha irmã. E ligar para meus irmãos que estavam nessa época no Rio de Janeiro. Procuraram saber do acontecido. O fato: Morreram todos no Dia das Mães.
Morreram todos carbonizados: minha irmã Mabel, Carminha, Nezito, o filhinho Felipe que chamávamos de Pipo e a empregada Aparecida.
Cinco caixões no parque das flores. Desespero total de todos. Familiares e amigos.
Eu não sei definir a dor. "Capotei." Desmaiava de chorar e não saia da cama.Até que no terceiro dia tive um sonho. Ela chegava até minha cama e me acordava. No sonho eu a indagava e falava de meu desespero em saber que ela morrera logo queimada, sentindo tanta dor. Ela dizia: - Não senti nada quando eu menos esperei ja estava aqui no, outro lado. A única coisa que me dói minha irmã é o desespero de vocês. Estou muito bem acredite. Tânia me prometa que vai se levantar dessa cama e ajudar a mamãe? Você é muito forte minha irmã, faça isso por mim. Eu afirmei que não mais choraria e acordei com cheiro de flores no quarto.