Mergulho no passado
1. Na minha última visita a Fortaleza, procurei um velho amigo para, juntos, mergulharmos no passado. Não nos víamos, fazia muitos anos. Logo imaginei: teremos muita coisa para recordar, assim que começássemos a folhear algumas das páginas de nossa história em comum.
2. No início da década de 50, ele fora meu companheiro de todas as horas, em alencarinas noites de farra.
3. Depois de animados papos na Praça do Ferreira, saíamos pelas ruas silenciosas de Fortaleza, madrugada alta, improvisando apaixonadas serenatas.
A patuscada terminava, aurora rompendo, entre os boêmios da Praça São Sebastião, naquela época um local de alegres botecos e modestos restaurantes onde a gente comia uma boa carne de sol e tapioca com manteiga de garrafa. O colesterol que se danasse.
4. O negócio era curtir uma Fortaleza tranquila, romântica. Suas madrugadas, de tão quietas, permitiam que a gente ouvisse, ao longe, violões dengosos acompanhando afinados seresteiros, em ternos juramentos, junto às janelas das namoradas, que se fingiam adormecidas...
5. Mandei o taxi parar na rua Barão do Rio Branco, bem em frente ao antigo Cinema Diogo. Dirigi-me ao escritório do amigo, no sétimo andar do edifício com o mesmo nome da rua. Bati na porta, e me identifiquei. Sua secretária, parecendo que já me conhecia, recebeu-me com um sorriso largo e eloquente.
6. Meu amigo apareceu. Trocamos um demorado e afetuoso abraço. Pelo calor do seu abraço, senti sua disposição de me acompanhar na evocação de nossas mais longínquas saudades...
7. Sem rodeios, fui logo lhe perguntando se ele ainda se lembrava de fulano, beltrano e de sicrano. E ele, sem hesitações, acompanhou-me recordando, um a um, os amigos da Praça do Ferreira.
Muitos já hamorrido. Para encontrá-los, teríamos que ir ao Cemitério São João Batista, no final da Rua Castro e Silva.
8. No papo, não esquecemos "as meninas" dos cabarés: sem grana, nós ficávamos a admirá-las, degustando um cuba-libre e ouvindo o Nelson Gonçalves cantar Mariposa; ou a Ângela Maria, a depender do gosto da malandra cafetina, cantando Escuta. Ah! Foram tantas as recordações, as saudades, que terminamos chorando...
9. Foi aí que lhe perguntei por ela..., a mais bela estudante do Ceará, no nosso tempo de colégio. E o amigo, reticente: "Ela...ela..."
Entendi suas reticências. E nada mais lhe indaguei sobre aquela linda jovem que, com seu sorriso de fadas, acariciou meus dias de estudante, lá pelos idos de 1900 e tanto...
10. Terminava nossa conversa, quando, às gargalhadas, descobrimos nossas cabecinhas quase totalmente grisalhas. Para, em seguida, concluirmos que nossos cabelos brancos eram os responsáveis por aquele reencontro recheado de ótimas relembranças...
11. A noite avançava. Despedimo-nos, marcando um novo encontro; num dia qualquer.
12. ATENÇÃO: o novo encontro jamais acontecerá: o meu amigo morreu, faz hoje uma semana...
1. Na minha última visita a Fortaleza, procurei um velho amigo para, juntos, mergulharmos no passado. Não nos víamos, fazia muitos anos. Logo imaginei: teremos muita coisa para recordar, assim que começássemos a folhear algumas das páginas de nossa história em comum.
2. No início da década de 50, ele fora meu companheiro de todas as horas, em alencarinas noites de farra.
3. Depois de animados papos na Praça do Ferreira, saíamos pelas ruas silenciosas de Fortaleza, madrugada alta, improvisando apaixonadas serenatas.
A patuscada terminava, aurora rompendo, entre os boêmios da Praça São Sebastião, naquela época um local de alegres botecos e modestos restaurantes onde a gente comia uma boa carne de sol e tapioca com manteiga de garrafa. O colesterol que se danasse.
4. O negócio era curtir uma Fortaleza tranquila, romântica. Suas madrugadas, de tão quietas, permitiam que a gente ouvisse, ao longe, violões dengosos acompanhando afinados seresteiros, em ternos juramentos, junto às janelas das namoradas, que se fingiam adormecidas...
5. Mandei o taxi parar na rua Barão do Rio Branco, bem em frente ao antigo Cinema Diogo. Dirigi-me ao escritório do amigo, no sétimo andar do edifício com o mesmo nome da rua. Bati na porta, e me identifiquei. Sua secretária, parecendo que já me conhecia, recebeu-me com um sorriso largo e eloquente.
6. Meu amigo apareceu. Trocamos um demorado e afetuoso abraço. Pelo calor do seu abraço, senti sua disposição de me acompanhar na evocação de nossas mais longínquas saudades...
7. Sem rodeios, fui logo lhe perguntando se ele ainda se lembrava de fulano, beltrano e de sicrano. E ele, sem hesitações, acompanhou-me recordando, um a um, os amigos da Praça do Ferreira.
Muitos já hamorrido. Para encontrá-los, teríamos que ir ao Cemitério São João Batista, no final da Rua Castro e Silva.
8. No papo, não esquecemos "as meninas" dos cabarés: sem grana, nós ficávamos a admirá-las, degustando um cuba-libre e ouvindo o Nelson Gonçalves cantar Mariposa; ou a Ângela Maria, a depender do gosto da malandra cafetina, cantando Escuta. Ah! Foram tantas as recordações, as saudades, que terminamos chorando...
9. Foi aí que lhe perguntei por ela..., a mais bela estudante do Ceará, no nosso tempo de colégio. E o amigo, reticente: "Ela...ela..."
Entendi suas reticências. E nada mais lhe indaguei sobre aquela linda jovem que, com seu sorriso de fadas, acariciou meus dias de estudante, lá pelos idos de 1900 e tanto...
10. Terminava nossa conversa, quando, às gargalhadas, descobrimos nossas cabecinhas quase totalmente grisalhas. Para, em seguida, concluirmos que nossos cabelos brancos eram os responsáveis por aquele reencontro recheado de ótimas relembranças...
11. A noite avançava. Despedimo-nos, marcando um novo encontro; num dia qualquer.
12. ATENÇÃO: o novo encontro jamais acontecerá: o meu amigo morreu, faz hoje uma semana...