Pequenas histórias 49
Dia vinte e seis
Dia vinte e seis de dezembro de dois mil e sete. Escorre pelos poros aviltados por causa do calor, a preguiça que se estende nesses três últimos dias do ano. Três dias perdidos em desespero macerado na retraída feição, onde o desejo é evidente para que o término desses dias seja rápido e, dessa prisão necessária de individualistas egoístas, possamos sair, mesmo que por pouco tempo. Os gestos repetidos pesam nos braços fracos para a luta de mais um ano que se imagina diferente. Na beleza da manhã, aparentemente nada muda, quem tem responsabilidade nada faz, os que têm pouca responsabilidade nada representam, trabalham mais, o rico continua rico e, o pobre é cada vez mais pobre. Choram os perdidos em suas buscas infrutíferas, e choram os que não estão perdidos encontrando em falsas religiões o consolo de suas perdas. Sorri o ignorante satisfeito de mais uma conquista vã e, alegre, o humilde, tímido, se fecha em si a oportunidade que poderia mudar sua vida. Os que se julgam não amados casam e, o que se julgam amados se separam.
É a vida em seu ciclo ininterrupto e metafórico elevando e levando tudo num prisma fosco. Os capacitados veem a luz através do prisma, mas poucos terão a chance de realizar os sonhos ou, mesmo, mudar alguma coisa. Não existem heróis nesta modernidade capitalista. Há apenas destrutivos engajados em beneficio próprio. Molenga a burguesia se confraterniza em volta de mesas soberbamente recheadas de guloseimas, enquanto a burguesia das esquinas deita-se em suas guloseimas de sonhos e esperanças. Uma vez ou outra a chama da inquisição do nada ter o que fazer se eleva de um corpo maltrapilho ou, ainda, apedreja a pobre Madalena diarista sem saber o motivo do apedrejamento.
É o mundo ricaço enfrentando o mundo pobre que procura seu sol para se aquecer nos momentos de folga apenas, sem querer incomodar ninguém.
E na parede fica a marca da folhinha do ano anterior.
pastorelli