Vocábulos
Ah, as palavras. Sempre encantadoramente misteriosas, com o poder de erguer os mortos e abater vivente qualquer que desafie seu vocabular arsenal.
Esse conjunto orquestrado de fonemas tão magnificamente executado por cordas laríngeas de miosina e actina em feixes delicadamente vibrados, reverberantes, ao passo que hipnotizam o ouvinte atento quando sua partitura revela-se doce, dura, incisiva, aconchegante…
Esse tão primitivo modo expressionista de apelo à atenção, sublime e divino, ao ponto de ser ensinado aos dedos, aos gestos, ao ato de borrar manchas tingidas sobre pedra, couro, fibra vegetal, luz projetada…
Expressão inaudita revelada com olhares mudos aos que intimamente e mutuamente se reconhecem como um. Cantadas no mostrar dos dentes e erigir dos lábios, ou gritadas no franzir do cenho e apertar dos olhos.
Ah, as palavras. Seu excesso de pronúncias já fora condenado, apesar disso, a prontidão em acolhê-las é virtude – “pronto para ouvir, tardio para falar”. A falta delas é insensibilidade e ausência de zelo preocupado, sua abundância configura demasia e opressão.
São várias, diversas, múltiplas, diferentes, distantes, da forma que são exclusivas, únicas, particulares, insólitas, raras. São elas que movimentam a vida de perguntas sem respostas, opiniões sem causa justa, verdades desnecessariamente cruéis e mentiras ainda mais desnecessariamente doces. São elas que enganam e ferem, são elas que acalentam e curam.
Ah, as palavras, que correm na mente como cascatas, mas brecam-se travadas no pesar da língua, desgraçado músculo involuntariamente voluntário, que parece funcionar muito bem quando não requisitado ou desnecessário.
Ah, as palavras, que em dedos rápidos é digitalmente rabiscada em eletrônicas páginas imaginárias que jamais impressas, desaparecem, assim como a tradução de seu significado, sóbrio ou ébrio, mas correto e sincero do autor desconhecido que permanece incógnito enquanto pensa e não fala, ouve e não responde, escreve e não diz o que queria.