Sensacionalismos e Selfies.

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Domingo de sol. Ligo a televisão e assisto o cortejo fúnebre de Eduardo Campos. Até aí ou até aqui foi o que, certamente, milhões de brasileiros fizeram neste dia ensolarado de inverno. Leio vários jornais por hábito e vejo num deles que pessoas, muitas pessoas, faziam seu “self” ao lado do caixão de Eduardo Campos para guardar para posteridade. Confesso que fiquei intrigada e que me surpreendi com a relação self e caixão. Não sei mais onde vamos parar com essa mania, mas algo me diz que ela não cheira bem. Outro dia também li que um casal tinha caído de um penhasco na frente dos dois filhos menores enquanto faziam uma self ou um self. Para a posteridade? Sim, essa foi. A última self para a posteridade.

Nada contra quem sai se fotografando para postar e receber comentários. Mas tudo tem limite. Narcisos existem desde sempre. Quase parte da nossa natureza. E em tempos de mídias sociais e da facilidade do descarte, nada que surpreenda quando uma criatura humana decide se expor para além do esperado. É chato? Sim, é muito chato. Narcisismo só é bom para o próprio narcisista que sempre se acha! Seja em cima de um penhasco ou do lado do caixão de uma figura pública. Antes tinha o tal “papagaio de pirata” que se aproveitava de ocasiões como essa para aparecer numa foto de jornal ou coisa do tipo. Hoje são tantos os papagaios de pirata que até perde a graça, se é que algum dia isso teve graça.

Algo que me chocou para além dos smartphones e das mãos levantadas – não para os acenos - foi saber que políticos, políticos sim, dos menores aos maiores, também estavam lá fazendo a sua selfzinha para constar. E seria trágico se não fosse cômico. “Limite” parece ser a palavra da vez. Até onde vai a brutalidade que confunde emoção, comoção com oportunismo? Onde está o limite que separava a criança da jaula? Os pais de crianças pequenas do penhasco da morte? A campanha política do sensacionalismo descarado? Responda o último que apagar a luz.

Talvez a nossa força de expressão esteja realmente se dissolvendo com esse aparato que mescla vontade de aparecer, excesso de vaidade e descontrole emocional. Vai ganhar quem conseguir manter a espontaneidade e um caminho mais coerente com a sua vontade e não com a vontade da sugestão. Não estou falando das eleições, mas da campanha pela própria vida. Quanto às eleições vai ganhar quem conseguir, depois dessa tragédia romanesca, encontrar um equilíbrio difícil entre emoção e limite. Não sei o que vai acontecer. Se pudéssemos prever o futuro... Mas ele se parece cada vez mais com um personagem de teatro grego. Como numa grande Panatenéia ele usa suas máscaras para nos iludir enquanto nos confere alguma honraria. A Panatenéia terminava com uma demonstração de culto e devoção. Parece que essa daqui começou pelo seu fim. E se começou pelo fim o que nos providenciará de desfecho poderá ser o imponderável se regido pelo clima de sentimalismo unicamente. As eleições no Brasil têm esse forte aspecto ou apelo da personalização. Não que seja o definidor hoje em dia, mas ainda assim é um aspecto a ser muito bem pensado e medido. Vai ter santinho de político em velório, capela, cemitério... E em tempos de corvos e selfies em sepulturas bom guardar aquela antiga e justa fórmula do bom senso. Para esses tempos uma boa dose de água benta também ajuda.

Patricia Porto

Patricia_Porto
Enviado por Patricia_Porto em 17/08/2014
Código do texto: T4926655
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