Pessoas jogadas do céu e crianças roubadas
Imaginem uma república hipotética, onde os militares tomaram o poder e instalaram uma feroz ditadura. Imaginem, ainda hipoteticamente, que habitantes dessa nação resolveram discordar da maneira como eles estavam conduzindo o governo. Ainda, tudo supostamente, os ditadores resolveram calar essas bocas dissidentes.
Mas eles não se calavam. Continuavam a reclamar dos desmandos e do autoritarismo do novo governo. Imaginem só! O que fazer com gente que não para de reclamar, de protestar? Torturá-los, matá-los? Quem sabe jogá-los lá do alto, de um avião, sobre o mar?
E se houvesse também mulheres protestando? E se elas estivessem grávidas. Será possível - tudo, ainda, no campo da pura imaginação – que os detentores do poder seriam capazes de matá-las? Isso mesmo, as mães, logo depois do parto? Arrancarem delas seus filhos e entregarem a casais militares, em segredo?
Será que as pessoas que gostam de “governos fortes”, autoritários, achariam esse um bom governo? Que tipo de nação seriam esses homens capazes de construir? Uma nação baseada na tortura, em assassinatos, em sequestro de crianças?
Eu acho impossível ter havido uma nação assim. Roubando crianças de seus pais, jogando os que protestam de aviões para afundarem no mar?
Mas houve. Foi o que a Argentina fez de 1976 a 1983. Provavelmente muito mais do que isso. Muitas daquelas crianças procuram, ainda hoje, descobrir quem foram seus pais. Muitos avós procuram seus netos, enraizados, sem saber, em outras estranhas famílias. Parece um pesadelo, mas foi verdade.
Se eu acreditasse em maldição, eu diria que é por isso que até agora eles não conseguiram se estabilizar, formar um país forte, uma grande nação. Mas eu não acredito.
Talvez apenas uma pura e maldita coincidência...
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Essa vida da gente
(crônicas e contos sobre o cotidiano)
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