Uma grande idéia

Uma grande idéia







- Você entende, não é? Estamos com esse, como dizer, conceito, ou se preferir produto, e precisamos de um profissional para ajudar a divulgá-lo. O que acha?

- Preciso saber do que se trata - respondi - e depois, o salário.

Havia um quadro branco à minha direita com um número escrito nele.
Indaguei: essa é a verba para o lançamento?

- Não - disse ele - é o seu salário.

Tudo isso parece sério. Cheguei aqui às 4 da tarde, de taxi. O prédio reúne imponência. Mármore, vidros, aço, seguranças, tecnologia. Para minha surpresa não houve demora. Uma loirinha com rabo de cavalo indicou-me uma ante sala e muniu-me de papel branco e caneta esferográfica. "Escreva sobre você, durante 5 minutos", instruiu ela. Cinco minutos depois voltou, levou a folha preenchida e tornou a voltar, em menos tempo talvez, para me conduzir a sala maior. Onde estou agora, com meu salário exposto na lousa. Gente prática.

- Então isso é você? - inquiriu ele num tom indefinível, apontando para a folha. Antes que eu principiasse uma resposta, me advertiu: esse conceito, essa idéia, precisa ser ventilada, ou colocada em prática, se preferir, por alguém que tenha total consciência de si mesmo. Espere, você vai entender onde eu quero chegar. Vamos por partes. Lógico que pesquisamos a seu respeito. Entretanto, esta folha, bem, usamos isso como uma simples mecânica. Aqui diz:

"Sou um homem de 48 anos, com 1,78 de altura, formado em administração de empresas com pós graduação em ....". Deixe-me lhe dizer: Essas coisas são irrelevantes. Definitivamente irrelevantes. Por que estou dizendo isso? Porque você não vai conseguir vender essa idéia através da sua personalidade. Não vai. Os itens nessa folha de papel não passam de aspectos. Mas não são você. Dependendo do resultado da nossa conversa, iremos colocá-lo num programa de 21 dias, cujo objetivo é atingir o seu Eu. O que acha?

Não era preciso mover os olhos para ver outra vez a cifra na lousa. Depois, o local era agradável. Vista panorâmica do vigésimo andar, café, chá, sucos e bolos dispostos na mesa, mais vidros, mulheres bonitas transitando ao fundo, ar condicionado....Deixei o homem falar.
Fiz um discreto "de acordo" com a cabeça.

- Então, vejamos - prosseguiu ele, indo até a lousa e apagando o número - vou colocar aqui os enganos: seu vestuário, seu ofício, posição na comunidade, relação consigo mesmo, capacidade de fazer amigos e conquistar coisas, teve uma adolescência conturbada, ou uma adolescência satisfatória, é bem apessoado, mediano, ou um desastre, sua bagagem, educação, ambiente, seus pais, irmãos, professores, medos, detalhes, traumas - ele escrevia com incrível rapidez e precisão. Parou para pensar um pouco e continuou - seu corpo e seus pensamentos. Nada disso, entretanto, é você. Tudo isso não passa de construções e gravações. O seu verdadeiro Eu está noutro local.

- E você não vai me dizer? - inquiri, pensando com mais rapidez do que de costume.

- Bem, isso seria impossível. É uma tarefa exclusivamente sua. E para tanto, lhe damos 21 dias.

- E o que acontece ao termo desse prazo? - volvi.

- Será um pouco assustador, depois passa, mas então você estará apto para vender a idéia. A idéia mais inteligente, diga-se de passagem.

- Vou refazer a pergunta - tornei - vocês já fizeram isso antes, certo? Com outras pessoas? O que acontece com elas?

- Bem - fez ele se esticando na poltrona - elas chegam na autenticidade. Um estado de espírito que assim pode ser definido: não tem aspectos, nem jamais se permitirá ter aspectos. Não quer saber de salamaleques, preocupações financeiras, climáticas, políticas, nada disso. A autenticidade flutua, voa, expande, espalha, harmoniza. Não carrega detalhes. Não carrega passado ou filosofia. Reserva tolerância zero por coisas que não são autênticas. Quando o Eu está imerso nela, não pode ser aprisionado, controlado, nem trabalhado ou ferido. Não há medo ou receio de qualquer espécie, pois não desperdiça energia tentando proteger um corpo ou uma identidade. Como poderia, então, ficar inseguro?

Ele se inclinou um pouco, antes de concluir:

- Sem esse requisito, é impossível vender a idéia.

- Presumo que, agora - retorqui - o sr. me dirá que idéia essa?

- Pois não - fez ele, com determinada elegância - A Paz Na Terra. Essa é a idéia. O que acha?

- Acho boa - respondi - e vocês tem uma estratégia?

Ele se esticou de novo na poltrona. Como que falando para o vento, disse algo do tipo: de que modo explica-se a internet para alguém que nunca viu um computador? Mesmo assim, nossos especialistas idealizaram um esboço que funcione de forma distribuída e não centralizada. A partir daí....

Ficamos horas conversando.



(Imagem: Relatos sobre observações do eclipse total do sol feitos perto de Plover Bay, Sibéria, 7 de agosto de 1869, conduzido sob a direção de Comodoro B. F. Sands, Superintendente dos EUA)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 16/08/2014
Reeditado em 03/04/2021
Código do texto: T4924489
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.