MACACOS ME MORDAM!
Setentão, pra lá de aposentado, para manter distância daquele alemão safado, o tal de Herr Alzheimer, cuido de dar tratos à bola lendo, escrevendo ou procurando alguma coisa estragada para consertar ou, pelo menos, quebrar o galho da consorte.
De tanto consertar o pouco que estraga por aqui tenho mesmo é que dar trabalho aos miolos para que não se curvem ao temível bávaro.
Dia desses, contrariado por não ter o que consertar, sentei no sofá da sala e tasquei o dedão no controle do televisor. Tão logo a tela acendeu, apareceu um religioso convidando seus fieis para, no dia seguinte, irem ao templo cooperar na Campanha do Santo Óbolo, sustentáculo da programação naquele canal televisivo.
Mais uma triscada no controle e lá fui eu para outro canal onde aconteciam milagres. Cadeirantes saiam pulando feito sacis, entrevados faziam contorções dignas de artistas de circo, cegos voltavam a ver, exorcismos aliviavam obsedados pelos trabalhos da macumbaria.
Nova zapeada e caí bem em cima de outro canal onde um padre, com cara de quem já conseguiu passaporte para o céu, estava “explicando” como se deu a criação do homem. Falava com a propriedade de quem conhecia profundamente as habilidades do Criador a tal ponto de gesticular, incisivamente, à medida que avançava no discurso.
Interessado pelo tema, principalmente em virtude de que o padre afirmava ser transmissor da “palavra” do próprio Deus, resolvi assistir o sermão para ver se conseguia entender, pelo menos, um pouco, desse assunto deveras controverso.
Segundo o porta-voz do Divino, “o Homem foi criado à imagem e semelhança do Criador, “macho e fêmea”. Conversa vai, conversa vem, o religioso continua a pregação. Avançando no tempo, porém, envereda por nova versão dando início a uma espécie de curto-circuito na minha encanecida cabeça.
O Homem já havia sido criado, “macho e fêmea”, lá atrás, nos escritos do Gênesis. Algum tempo mais adiante, o Pai criou o Adão que ficou andando, sem ter o que fazer, pelos caminhos encantados do Paraíso. O Criador, vendo o pobre cabisbaixo e com cara de poucos amigos, resolve dar-lhe o sono e saca-lhe uma das costelas. Com ela, molda a mulher a quem dá o nome de Eva.
Foi nesse ponto que comecei a ficar cismado com minha incapacidade de compreender esse assunto, facilmente aceito por tanta gente boa pelo mundo afora. Ora! Se já havia feito a criatura lá atrás, “macho e fêmea”, como é que foi fazer, lá para adiante, o Adão, macho sem fêmea para, depois, sacar-lhe uma costela e fazer a fêmea novamente? Complicado isso, não?
É, mas não parou por aí! Na minha pobre cachola, ficou uma confusão tremenda em razão das perguntas que vieram depois. Ora! Se o Homem foi criado “macho e fêmea”, ou o macho e a fêmea da costela, isso significa entender que as criaturas já vieram ao mundo na condição de adultos. Tão verdadeira é a informação que, em dado momento, depois que fizeram “o que não deviam”, acabaram percebendo que estavam nus!
Como puderam descobrir isso? Quem mais estava com eles por lá no Paraíso a não ser o próprio Pai? Quer dizer, então, que Deus não andava nu. Andava vestido?
Afinal, se Adão e Eva foram criados nus, qual o motivo da vergonha diante de Deus? De quem mais poderiam envergonhar-se?
E, então, outra pergunta maluca: Se Deus andava vestido era em razão de que tinha vergonha de alguma coisa! Vergonha de quem? Vergonha de quê? Do sexo? Aí posso perguntar: Deus tinha sexo? Se tinha, com que finalidade? E para que criou o homem macho e fêmea (hermafrodita) e, depois os separou com gêneros distintos?
Enquanto meu cérebro se retorcia nessa confusão original, outra encrenca veio complicar meus neurônios. Até aqui, fui levado a entender que o Homem foi criado já adulto, pois “aprontou”, lá no Paraíso, e ficou envergonhado.
Mas, como compreender isso se, em determinado momento, logo após a criação, o Criador deu-lhes a orientação para “crescer e multiplicar”? Ora! Quem precisa “crescer” para multiplicar são “crianças”, nunca adultos! E, se mandou “multiplicar”, o que tinha a ver a ação natural com a vergonha do casal primordial?
E agora? Como assimilar? O Homem foi engendrado hermafrodita, híbrido, e depois teve os sexos separados? Isso aconteceu na fase infantil ou na fase adulta? E como entender a vergonha da nudez no Paraíso? Quem mais estava por lá que usava roupas para não sentir vergonha do próprio corpo? E que tipo de corpo, se é que havia mais alguém por lá? Quem costurava a roupa e que tipo de tecido usavam os do Paraíso?
Ufa! Macacos me mordam! Desliguei a TV com a certeza de que não iria encontrar respostas em nenhum dos canais em que atuam os entendidos nessa história confusa!
Amelius
Sobradinho-DF – 14/08/2014