A Política Imbecilizada
É estarrecedor percebermos que, em pleno século XXI – um período de enorme avanço tecnológico e de considerável democratização da informação, ainda exista em nossa sociedade figuras públicas tão pouco esclarecidas, que nem mesmo consigam perceber o abismo que separa sua mentalidade estreita da realidade atual. Isso se evidencia muito claramente na postura embrutecida de políticos aventureiros munidos de um discurso alicerçado em preceitos basicamente religiosos (quase sempre com fortes inclinações fundamentalistas), e absolutamente escasso de valores democráticos e humanistas.
O candidato ao governo do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB – partido de propriedade da Igreja Universal), representa com louvor este perfil de político: conservador, antiquado, autoritário e vergonhosamente preconceituoso. Em entrevista recente cometeu o disparate de afirmar que “homossexualidade é pecado” e que “se a população da baixada, e demais regiões periféricas, for deixada vivendo na miséria, essas pessoas migram para vir roubar na capital”. Por fim, após perceber a grande tolice que havia cometido, tentou se justificar afirmando que pensa deste modo por crer na Bíblia. Todavia, em momento algum isto lhe serve como álibi, pois um homem público pode crer no livro sagrado cristão, nos Vedas (induísmo), no Tao-te Ching (taoísmo), na Torá (judaísmo), no Alcorão (islamismo), etc, mas para governar é em outro livro que o mesmo deve se debruçar: a Constituição Federal, pois é este que rege a ordem jurídica e a vida do país. O posicionamento sectário do candidato do PRB ultraja os princípios fundamentais de nossa constituição, que já em seu artigo terceiro afirma ter por objetivo a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A despeito de ser um erro primário julgar uma pessoa por sua orientação sexual, ao invés de tomar por referencial seu caráter, além, é claro, da grande cretinice de se classificar os mais pobres como bandidos em potencial, as declarações e o comportamento do Sr. Crivella remetem a situações ainda mais graves e danosas à democracia e ao regime republicano, pois o senador (e seus pares – que se valem da manipulação da fé para a conquista do poder político), não se porta como um democrata, mas como membro de um movimento fascista de fundamentação religiosa que de forma perigosa vem ao longo dos anos conquistando posições importantes na esfera pública de poder, tentando impor ao país seus dogmas e visões de mundo profundamente apequenadas.
Tanto no Congresso Nacional quanto em muitas das assembleias legislativas é possível perceber a existência da exótica bancada evangélica, composta, grosso modo, de parlamentares desprovidos de atributos mínimos para o exercício do cargo legislativo e totalmente descomprometidos com as demandas sociais. Tratando-se de um verdadeiro deserto de virtudes. Esse grupo de parlamentares interfere nocivamente nas mais diversas comissões (educação, justiça, direitos humanos, etc), impedindo que o país avance em termos democráticos e amplie direitos para que estes alcancem a totalidade da população. Desta forma, esta bancada, movida por uma fé cega, e o legislativo que aceita lhe ser refém, contribuem sobremaneira para a estagnação da sociedade e, por consequência, para a intensificação do sentimento generalizado de insatisfação e desprezo da população pela política.
Este quadro político desastroso do país tem sua origem na mediocridade provocada pelo apagão moral e intelectual de nossos homens públicos (salvo raras e alentadoras exceções), e a prática promíscua entre poder político e religião torna a vida pública institucional brasileira ainda mais abastardada. Portanto, diante de uma realidade tão degenerada faz-se necessário que o eleitorado redobre sua atenção e senso crítico na hora da escolha de seus representantes, ficando claro que, na falta de em quem votar, o voto nulo não deixa de ser uma opção, pois este consegue (com larga vantagem), ser uma alternativa melhor que o equívoco de manter empregado por mais quatro anos um político calhorda e egocêntrico, algo abundante neste triste trópico chamado Brasil.