Declaração de amor
Segunda feira para a professora Gabi era como se fosse o pior dia da semana. O psicológico dela queria sempre confirmar, e o pior é que ela lutava contra isso o tempo todo. Porém, sua força de vontade e o gosto pelo que faz, fazia com que suportasse sem reclamar.
Como professora de português, tinha um grande desafio todos os dias, fazer com que seus alunos adquirissem o gosto pela leitura. Todos a consideravam meio maluquinha, pois vivia inventando um jeito diferente de repassar aos alunos uma maneira gostosa de ler. Numa manhã dessas de segunda feira, sua primeira aula seria no sétimo ano. Turma numerosa e preguiçosa reclamava de tudo. Não dava uma trégua. Contudo, havia se acostumado e esta turma passou a ser especial para ela. Sabia que não era bem vinda por alguns, mesmo assim tinha uma afinidade incrível por eles.
Quando passou da porta em direção ao seu birô, deu bom dia sem esperar resposta da maioria. Mas, como era muito observadora, percebeu certo movimento nos fundos da sala. Um grupo de 10 alunos questionava um assunto que a professora desconhecia. Imediatamente resolveu estragar a festinha deles aproximando-se indicando com o olhar para os outros não avisarem da aproximação dela:
- Posso saber o que está acontecendo aqui? - Bradou num repente, num tom mais alto que o normal.
- Ai professora! Que susto. Não precisava chegar desse jeito. Eu hem. – Exclamou Gustavo, considerado o espertinho da sala, fazendo gestos para os demais guardarem o que estavam vendo.
Num movimento rápido, a professora Gabi agarrou a folha de papel A4 antes que desse tempo dos outros esconderem-na. A gritaria foi inevitável. Um coro surgiu:
- Nãoooooo professoraaaaaaaa! Agora estamos fritos, e entregues a diretora. -Afirmou Alexandra nervosa, quase chorando.
- Vamos ver o que temos aqui. -Falou a educadora. Antes de observar o conteúdo, olhou com certa curiosidade para a sala e quase deu uma risada dos rostos espantados e temerosos dos envolvidos. Fingiu estar brava, embora alguns já havia percebido que ela iria aprontar. Sem ainda olhar para o pedaço de papel, perguntou:
- Alguém poderia começar a explicar tudo isso? Quero explicações convincentes. Caso contrário, serei obrigada a comunicar na direção. Espero a colaboração do sétimo ano inteiro. - Disse de forma descontraída e determinada. Adorava deixá-los apreensivos.
Todos começaram ao mesmo tempo, um falando mais alto que outro. Num desespero incomum. Diante da confusão de pensamentos, ela gritou:
- Silêncio! Um de cada vez. Vamos lá, quero saber tudinho. Piscou o olho para Rafael, um aluno que na maioria das vezes era caladão, mas que se soltava um pouco nas aulas dela. Foi o primeiro a argumentar:
- Ô professora, seu fosse à senhora olhava logo e acabava com o suspense. Também tô louco pra saber o que tem nesse papel. - Falou com ar de riso e esperando ser repreendido pela turma. Mas, não foi o que ocorreu. Todos ficaram calados, num silêncio incomum esperando, quase que paralisados sem saber ao certo o que ela iria fazer.
Permaneceu estática, propositalmente, analisando o que poderia conter naquela folha de ofício, para deixá-los assim tão nervosos. Depois de alguns segundos decidiu finalmente ler, ou melhor, e por fim ao grande mistério. Quando começou a olhar o papel amassado, percebeu que alguém havia feito um desenho lindo, um coração com camadas de flores e no meio dela estava o meu rosto. Uma réplica perfeita. A professora ficou impressionada. Logo a baixo começava um pequeno texto em forma de poesia.
Era uma declaração de amor de aluno apaixonado pela professorinha que, segundo ele, unicamente conseguiu, de uma forma brilhante, incentivá-lo a conhecer o mundo da leitura e da literatura. Por esta razão, tinha a mais alta consideração por ela. Professora Gabi não conseguiu disfarçar a emoção em saber que servira de estímulo. Com os olhos vermelhos, levantou o olhar e perguntou:
- Por que vocês queriam esconder tanto isso de mim? Algo tão especial e respeitável... Antes que ela terminasse, Rafael ficou em pé sem encará-la, e disse:
- Fui eu quem fez professora. Na verdade, fiz para um dia entregar à senhora se tivesse coragem, mas o Gustavo viu, tomou de mim e mostrou pra turma toda. Ficou me chamando de amorzinho, zombando. Mas graças a Deus a senhora entrou e estragou a festinha deles. Mesmo assim, meu segredo foi revelado. Sentou-se e começou a chorar.
- Não se sinta envergonhado (precisou defendê-lo da pressão da turma), pois este foi o reconhecimento mais verdadeiro que recebi de um aluno, mesmo que de livre e espontânea pressão. Quem deveria estar envergonhado seria ele, pela falta de coragem e insatisfação e covardia. - Respondeu a professora que daquele dia em diante passou a prestar mais atenção ao desenvolvimento gradativo dos alunos tímidos.
Não subestimes os tímidos, guardam muitas surpresas.
Débora Oriente