Eduardo Campos; amarga pressa da morte

“Tudo tem o seu tempo determinado, há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Tempo de nascer, tempo de morrer; tempo de plantar, tempo de arrancar o que se plantou;” Ecl 3; 1 e 2

O fato de tudo ter seu tempo determinado não embasa a ideia fatalista que alguns propalam, tipo: “quando chega a hora de morrer não tem jeito.” Quando o pensador diz que há tempo para todo propósito debaixo do sol quer dizer exatamente isso. Não significa que nossas escolhas arbitrárias não possam, eventualmente, abreviar o tempo, se não ele em si, ao menos, nosso tempo.

No Seu tempo, Deus ceifaria o trigo maduro; nossa liberdade usada de modo temerário pode nos fazer encontrarmos a foice ainda verdes. Digamos, como um exemplo, que Deus me tenha dado constituição física capaz de viver até os noventa anos. Esse é o “tempo determinado” que tenho para fazer minhas escolhas; nada impede que, uma delas, acabe abreviando minha vida, solapando meu tempo.

Fato é que a morte sempre esteve assanhada no fito de invadir as plagas da vida. Quando, porém, seu “trabalho” ceifa pessoas famosas, nos parece mais “viva” que nunca. É o que tem acontecido nos últimos meses.

Nomes notórios como, João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna, Luciano do Vale, Sócrates, Fernandão, Chorão, Champignon, Robin Willians, e a tragédia de hoje, o presidenciável Eduardo Campos, com mais seis pessoas de menor notoriedade e mesmo valor, vidas.

Quando a morte resolve tomar a palavra, nosso discurso por melhor que seja perde o sentido. As razões que ousam incursões no infinito, ante a surpreendente perplexidade da morte sequer ousam pleitear por afirmação. A morte, quando atua, coloca em cena uma razão que põe fim aos nossos melhores postulados. Quedamos perplexos em busca de fugidias explicações, e inócuos lenitivos.

Os melhores argumentos perdem de goleada para o soturno e veemente silêncio. As palavras mais doces se fazem, se, não ditas; uma lágrima solidária, sincera, supera a eloquência de um Cícero, o maior dos tribunos.

Essa inquietação que faz escrever, não é por que tenhamos algo sábio a dizer; só, a miserável necessidade de assumir que nada sabemos, associada ao afeto pelas letras.

As discrepâncias políticas, a erística faziam sentido quando a vida que inexplicavelmente se foi era uma “ameaça”. Fraquejamos como se não tivesse direito de deixar de ser, de modo assim, tão abrupto. Ninguém gostaria de “ter razão” dessa maneira.

Nosso olhar, por um tempo vasto até, deixa de mirar as propostas que ele tinha para o país, e se volta para o fato que era um homem, com esposa e cinco filhos, como tinham seus laços semelhantes, os demais. Então, parece adequado concluir que, malgrado, o alcance nacional, ou mesmo internacional de nossos voos, sonhos, projetos, em última análise, o que conta mesmo é a vida.

Jesus Cristo disse: “Que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se perder sua alma”. A verdade é que, um ganho, por amplo que seja, só pode ser desfrutado de posse do dom da vida, sem ela, perde o sentido.

Então, embora pareça ser o lugar comum priorizar o valor da vida nas reflexões espirituais, o que é consenso nos domínios do saber, nem sempre é no teatro do agir. Olhando as digitais da morte deveríamos aprender a traçar melhor os rumos da vida. Ao menos, no pensar de Salomão expresso na Bíblia. “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir a outra onde há banquete, porque naquela está o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração.” Ecl 7; 2

Embora nossa vida seja um constante morrer no varejo, nos assombra “comprar” no atacado. “O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.” ( Fernando Pessoa ) Nossa morte a prestações como disse o poeta é muito mais palatável que quando algum revés a encontra de vez.

Assim, diverso do motejo que diz que uma pessoa fica boa depois que morre, acredito que nós ficamos menos tolos e superficiais quando constrangidos a considerar coisas profundas. Por contraditório e insensível que pareça, é o lado “bom” da morte.

É trágico, mas, nossas melhores palavras não servem aos enlutados; tampouco, podem escutar nosso silêncio. O mesmo Salomão patenteou que a intensidade das emoções, alegres, ou, reversas, são de foro pessoal. “O coração conhece a sua própria amargura, e o estranho não participará no íntimo da sua alegria.” Prov 14; 10

Felizes os que podem olhar sem medo pra morte; esses conhecem a eficácia da cruz! “Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós.” ( Amado Nervo )