A mão errada

Preciso confessar: eu escrevo com a mão errada. E desde criancinha. Meus pais são destros e a chance de terem um filho canhoto beirava os 2%. Pois aconteceu. Mas tive sorte e escapei de morrer na fogueira. O que não significa que tenha levado uma vida fácil. Ainda na escola eu sofria para escrever no quadro-negro (o canto da minha mão ia apagando aquilo que eu escrevia). Depois eu tive que passar por tesouras, abridores de lata, aquelas cadeiras de vestibular com encosto sempre no lado direito, isso sem falar naquelas canetas presas a um barbante (adivinhem de qual lado elas são presas?).

Como se não bastasse, existem estatísticas mostrando que os canhotos vivem, em média, nove anos a menos que os destros. Mas isso eu acho uma grande balela: há bem mais destros do que canhotos no mundo e, se um canhoto morre cedo, já puxa a média de todo mundo lá para baixo (por isso é tão importante que os canhotos tentem sobreviver).

Nos esportes, os canhotos até que são um pouco valorizados. Mas os comentaristas de futebol consideram impossível que dois canhotos joguem um ao lado do outro (é possível ter 11 jogadores destros, mas 2 canhotos certamente se atrapalharão, trombarão, escorregarão, estragarão tudo).

Um verdadeiro canhoto sempre se defende citando uma lista de celebridades que também o eram: Einstein, Beethoven, Da Vinci, Michelângelo, Chaplin, Picasso, Mozart, Newton, Machado de Assis, Gandhi, Goethe, Kafka, Ayrton Senna, Pelé (e Maradona e Romário e Messi), Jimi Hendrix, Santos Dumont... Pense em algum gênio: era canhoto. Com esse argumento, o canhoto pode relaxar, pois dificilmente alguém se lembrará que também era a com a mão esquerda que escreviam Adolf Hitler e Georg W. Bush.

Aliás, não existe nenhuma evidência de que o próprio Jesus Cristo não fosse canhoto. Estou quase convencido de que ele era mesmo (embora esteja sentado à direita do Pai). Quanto a Este, eu não tenho a menor dúvida: quem escreve certo por linhas tortas, só pode ser canhoto.