Dias felizes em Fornace

        Em meio aos ares primaveris, atravessei o norte da Itália de trem, destino Trento. Lá, passeei pela cidade que, em outras vezes, parecia-me distante, muito distante. Dei um giro pelo centro, tomei sol na praça da Catedral linda e imponente. Buscar as raízes, descobrir as pegadas dos antepassados, saber das dificuldades da grande travessia pelo oceano até chegarem aqui há mais de um século, saber das intempéries, toda essa descoberta nos emociona e nos coloca muito perto dos seres que nos antecederam, avós, bisavós e trisavós. Essa trilha em busca dos resquícios do passado pra mim foi deveras surpreendente. Muitas alegrias me trouxe, pois o inesperado foi contactar com primos jamais vistos, eles que, nem sequer povoavam meu imaginário.
        Subi no banquinho na estação ferroviária de Trento, e estiquei o olhar. Procurei no meio de viajantes e transeuntes alguém que me reconhecesse, pois eu não fazia ideia de como ele era, ele meu primo! Sabia que éramos parentes, só isso, justo nas pesquisas nos achamos. Ao celular, falamo-nos. E, então, Pierino me viu e veio ao meu encontro. Uma calorosa saudação e um largo sorriso de reconhecimento, éramos do mesmo sangue, dos mesmos antepassados. Muito contente peguei carona com ele, o prefeito da cidade de Fornace. Passamos por Civezzano e tomamos o rumo da terra dos meus trisavós Francesco e Marianna Caresia.
     De imediato, Pierino levou-me pra visitar a cidade e conhecer a casa dos trisavós maternos que permaneceu lá, e que os primos a mantém até hoje. Aconteceu que eles deixaram lá um irmão com sua família e destes, ele, Dino, e mais um irmão e uma irmã eram descendentes. Soube então, que Francesco Caresia teve uma primeira mulher e cinco filhos; ela morreu e os cinco filhos também faleceram ainda na infância. Então, casou-se com Marianna Valler, minha trisavó. Também vieram a falecer seus dois primeiros filhos, mas, os cinco restantes emigraram para o Brasil, em maio de 1876, quando na viagem também veio a falecer Orsola, com quinze anos.
     A paisagem trentina é deslumbrante, flores e plantas verdejantes coloriam o caminho; ainda tinha neve no cume das montanhas, e, soube que em outras primaveras o gelo já se diluíra... indo se juntar aos riachos e lagos. Em poucos minutos chegamos a bela Fornace, uma cidade posicionada assim na encosta de uma grande montanha. Como administrador Pierino é muito respeitado, fomos até uma grande mineradora, até a prefeitura, a igreja matriz, alguns pontos muito interessantes, e por fim, em meio aos cidadãos de Fornace tomamos capuccino... muito gentil!
        Outro primo, Dino e sua esposa Lorena, me aguardavam e me hospedei na casa deles. A minha estadia por aquelas terras foi maravilhosa, pontuada pelo esmero da Lorena, em preparar as refeições pra mim, pela agradável companhia de seus pais e de seus filhos Sophia e Jacoppo, e de todos os Caresia, pela ótima receptividade dos habitantes daquela cidade. Senti-me tão feliz, parecia uma filha distante que voltou pra casa. Dino e a esposa foram extremamente gentis e se esforçaram ao máximo pra me fazer sentir confortável. Presenteei-lhes com meus livros e assim consolidamos essa atmosfera fraternal. Depois, caminhei de um lado e outro, buscando conhecer e lembrar sempre de tão belo lugar.
     À noite, Dino e Lorena e outros tantos deixaram os afazeres para o ensaio do Coral da Igreja. Fui assisti-los e apreciei a afinação das vozes e as sinfonias... momentos alegres... a música sempre faz bem pra alma. Um fato incrível pra mim foi saber de uma peça teatral escrita por Dino Caresia e dirigida por Camillo Caresia: “Viagio de sol andata” (Viagem só de ida), e atuando com mais de vinte e seis integrantes, todos cidadãos comuns, incluindo o próprio Dino e esposa, e o prefeito Pierino. Não é o máximo?!... Adorei saber desse universo onde as pessoas tem humildade, sabedoria e grandeza de caráter. Pena que não fiquei tempo suficiente pra assistir esse espetáculo.
     A atitude democrática do mundo trentino é louvável! O prefeito da cidade é apenas ajudante do povo. Meu primo Pierino, depois de me apresentar a cidade e aos cidadãos de Fornace, pediu licença e foi trabalhar no posto de saúde que administra, pois, como político apenas, não tem direito à aposentadoria. Deveríamos aprender essa lição com eles, exemplos de cidadãos honestos.
     Fato relevante são as pesquisas do Dino! Ele sim!... foi procurar nos arquivos papéis e papéis e seu acervo é invejável. Embrenhou-se em buscar as raízes (até cinco séculos atrás, onde achou o primeiro Caresia de nossa árvore genealógica), e foi assim que nos conhecemos pela internet, quando ele generosamente, disponibilizou todo material de que nossa família necessitava. Ficamos trocando idéias e falando de nossa história com tanto entusiasmo que nos esquecíamos das horas.
     No dia seguinte, meu primo levou-me pra apreciar os pontos turísticos daquela região, o Vale di Cembra, o Valle di Fiemme e Fassa, Sover, Baselga de Piné, os vinhedos, as montanhas imponentes, os lindos vales do Trento, as interessantes pirâmides de terra de Segonzano, e lagos serenos irrompendo aqui e ali, fazendo o azul do céu refletido irradiar seu esplendor. O turismo é hoje uma grande fonte de renda pra toda região, e é invejável a qualidade de vida de seus habitantes. Foram dias muito felizes, e sempre vou lhes agradecer de todo coração.
     Na despedida, com medo de perder o trem que iria até Malpensa, apressei-me e bati só umas fotos no celular, embora Lorena, muito amável, sugerisse que fizesse mais alguns retratos. Pessoas tão maravilhosas, que nem caberiam nas fotografias tudo o que havia de belo neles. Foi preciso me apressar,... Dino levou-me à estação de Trento. O tempo urgia... Eu não podia perder o voo de volta pro Brasil. Deixaram saudades!... Até breve!


_______________________             IZABELLA PAVESI  
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                                   Imagem: Comune di Fornace - Itália
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 Texto publicado na REVISTA INSIEME (português-italiano) nº 190 - outubro.2014