VIDA NO MATO

Para mim, aquilo me parecia ser meu eterno dia a dia, tão simples era e tão real.

Às cinco, acordava e às seis, já estava a arrebanhar o gado com meu tio para que o leite chegasse à mesa, no máximo, até às sete, para o café da manhã.

Lá íamos nós; eu, com meu Kurisco; ele, com seu Talismã. Eu, menina pequena, loira, olhos azuis; ele, homem forte e bravo, a gritar:

- Oh! Topeira, a vaca está escapando.

- Mas, Chico, estou tentando, mas ela não vai para onde quero.

...

Assim eram as manhãs, naquele mato incrível. Nosso caminho era traçado entre verdes de mato e montanhas até chegarmos ao Macuco. Para lá chegar, percorríamos um longo caminho que iniciava-se ao descer das escadas. Ele:

- Martiniano, vamos buscar as leiteiras. Ao chegarmos, iniciaremos a lida.

E lá íamos...

Caminho de terra, sons de pássaros. Meu maior receio sempre fora transpor-me sob as águas da pequena ponte. Emedava, mas era incrível... E ele sabia o quanto passar por ali era crucial e tão desafiador para mim.

Ao partirmos, passávamos pelo paiol e uma pequena estrada, verdejante corria; ao lado direito, um riacho; um pouco após ele, a ponte... Água submersa, parada, amarronzada de lama; todos os dias, a sensação era a mesma... Meu cavalo não conseguirá... Vou me afogar na lama; apesar do medo diário, Kurisco conseguia e quando acontecia, que delícia, uma vez mais, consegui transpor às águas lamacentas.

Entre verdes, águas, lamas e medo; retornávamos ao nosso paiol.

Essa era a manhã diária... Pois, à tarde, era outra.

Aquele pequeno riacho, à direita, mesmo pequeno, armazenava muitos peixes – na verdade, lambaris.

Mesmo, inquieta, como era, lá ia com meu pai a esperar a vontade dos peixes.

Claro que eles chegavam mais próximos ao meu pai – e, eu, não entendia aquilo; ele resgatava tudo e, eu, nada.

Por que chegavam próximos ao meu pai? Juro que não sei. Sei apenas que eles chegavam.

Pelas mesmas escadas que descia junto ao meu tio, pela manhã; subia, com meu pai, à tardinha.

Pela manhã, era buscar um dos suprimentos do café matinal; à tardinha, era o beliscar antes do jantar.

Hoje, já adulta; se quero o leite fresco ou o beliscar da tardinha, tenho de fazê-lo sozinha.

Chico, já não vai mais comigo em seu Talismã; meu pai, não pesca mais, mas ambos sabem que jamais desistirei de buscar meu café matinal e a delícia de comer um lambari antes do jantar... Por quê?

Porque meu café matinal dar-me-á energia para esperar o belisco... E o que há de vir.

Não é mais meu dia a dia, porque ambos se foram, mas sabem eles, que jamais desistirei do café até o petisco...

LAUDICÉRIA VERARDO
Enviado por LAUDICÉRIA VERARDO em 12/08/2014
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