Das coisas que eu não esqueço.
Se há um tipo humano a quem não convém esquecer o passado, é o escritor. Não significa viver no passado, mas lá poder buscar assunto, já que nem sempre temos inspiração. Foi o que fiz hoje.
Meu marido, eu e nosso bebê, morávamos num sobradinho geminado.
No imóvel simples, mas aconchegante, por conta de constantes cuidados, as janelas de dois quartos davam pra rua.
Pedreiros e pintor haviam finalizado o trabalho de dois meses, no dia anterior. Por ser verão, e pra amenizar o cheiro da tinta, dormimos com as janelas abertas. Pela manhã fui despertada por forte odor de ovo...
Com tristeza vi que haviam atirado ovos num dos quartos, e esses se esborracharam na parede recém-pintada, escorrendo até o rodapé.
Quando lembro o ocorrido, lembro também a minha reação: entristecida pensei - só pode ser obra de gente infeliz que não suporta ver o bem dos outros...
O jeito foi eu mesma limpar a parede e, dar outra demão de tinta.
Mais tarde a mocinha que morava ao lado, confessou ter sido ela a autora da “proeza”. Desculpou-se ao contar: “não sei o que me deu; fui comprar ovos pra minha mãe. Ao voltar, não resisti à vontade de atirar dois ovos aí pra dentro”...
Eu nunca esqueci o caso, e ainda sinto dó da moça com “espírito destruidor incontrolável”. Espero que tal instinto nunca tenha se voltado contra si, seus familiares, amigos...
Se eu nunca esqueci o ocorrido, embora a tenha perdoado; será que ela esqueceu e conseguiu se perdoar?