Sapiência Demagógica

Certa vez encontrei um senhor que se dizia sábio. Suspirei. Até então esta palavra passava distante do meu vocabulário, pois nunca pensei encontrar um. Encarei a sapiência como uma qualidade dada aos de alma distinta, límpida, cheia de amor, paz, inteligência e, acima de tudo, humilde. Daí minha tese de nunca encontrar um sábio.

Em uma roda de amigos o senhor se apresentou como sendo o dono da sabedoria: opinou sobre o assunto que versejávamos; citou os livros que poderíamos ler para entender, definitivamente aquele assunto e mais, propôs-se a dar aulas aos presentes sobre aquele assunto e qualquer outro que achássemos importante. Ficamos indignados, mas a ignorância é a mãe dos seres de almas sujas. Fomos prudentes. Escutamos. Citou-nos seus escritores favoritos: Rimbaud, Nietzsche, Freud, Borges, Wagner, Machado de Assis, Blom, etc. Disse ter por hábito ler ao longo de 15 horas diárias, abdicara-se dos desejos, do mundo externo. Objetivou a busca da sabedoria, sonhou ser um sábio.

Perguntei-lhe se era feliz. Ele me respondeu ser a felicidade um substantivo abstrato, típico dos fracos que possuem medo de encarar a vida. Perguntei-lhe se viu o Sol, disse-me que não, que o Sol era apenas uma estrela e como as demais iria se apagar um dia. Insisti no interrogatório e perguntei se já tinha tomado banho de chuva e descido pelas ruas coma enxurrada que brotava das águas do céu, disse-me que sempre temeu pegar uma gripe e que as gotas d’água o estimulava a ler, a pensar, desde menino. Perguntei-lhe o real gosto da maçã e ele me respondeu não ter tempo em saborear aos alimentos. Também nunca havia se sujado, tomado suco de caju, nem mesmo bebido do café passado na hora; não subiu em árvores, muito menos criado ou brincado com galinhas. Não pescou, não bebeu água de mina, não tomou banho de cachoeira; não apanhou dos pais e nunca ficou de castigo; não comeu merenda da escola e não recebeu materiais escolares da caixa (lembram-se?); não bebeu na mesa do bar com os amigos, muito menos curtiu um porre; não beijou na boca e nunca teve uma namorada.

Ele insistiu ser sábio, mesmo abdicando-se das coisas boas da vida. Confesso ainda não ter encontrado o verdadeiro sábio.

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 18/05/2007
Código do texto: T491924
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