Escrito ao som de Alanis Morissette - Uninvited
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Uma cruz à beira da estrada
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Cruzes!
Hoje em dia viajar é tão rápido e fácil; se hoje estou em São Paulo posso chegar à Bahia em duas horas. Mas não sou da época das viagens fáceis; ia de carro mesmo, ou ônibus. Aí a mesma viagem durava dias. Muito maçante e cansativo, mas a chegada era uma conquista.
Uma coisa que me marcou muito nessas viagens eram as paisagens na fronteira de Minas Gerais e o sertão da Bahia. Havia trechos sem casas, plantas, animais, pessoas ou comércio. Eram, na verdade, estradas de terra sem fim, com desertos nos dois lados, a linha do horizonte tremia sob um sol mais que quente. Tudo isso era desesperador, pois sabíamos que as únicas almas vivas da região éramos nós.
Minto.
Uma coisa que me marcou muito nessas viagens eram as paisagens na fronteira de Minas Gerais e o sertão da Bahia. Havia trechos sem casas, plantas, animais, pessoas ou comércio. Eram, na verdade, estradas de terra sem fim, com desertos nos dois lados, a linha do horizonte tremia sob um sol mais que quente. Tudo isso era desesperador, pois sabíamos que as únicas almas vivas da região éramos nós.
Minto.
Na verdade havia alguma coisa sim: as cruzes. Isso era ainda mais perturbador.
E não eram poucas. Cruzes aos montes, enterradas de qualquer jeito. Alguns até poderiam dizer que eram um monte de zé ninguém enterrado em terra de ninguém. Cruzes que mal se erguiam, feitas às pressas, de uma madeira tão seca e rachada quanto aquele chão. “Coitados dos defuntos, faz sinal da cruz minha filha”, dizia minha tia-avó, companheira de viagem. Não sei se devo dizer que os defuntos dali eram coitados, pois um enterro e uma cruz são uma convenção social; um enterro e uma cruz mal feitos são simplesmente convenções sociais mal feitas. Aonde quer que formos, ou se não formos a lugar nenhum, não será determinado por uma cruz.
O fato é que eu ficava pensando do que eles tinham morrido e o que tinham deixado pra trás nessa ausência.
E não eram poucas. Cruzes aos montes, enterradas de qualquer jeito. Alguns até poderiam dizer que eram um monte de zé ninguém enterrado em terra de ninguém. Cruzes que mal se erguiam, feitas às pressas, de uma madeira tão seca e rachada quanto aquele chão. “Coitados dos defuntos, faz sinal da cruz minha filha”, dizia minha tia-avó, companheira de viagem. Não sei se devo dizer que os defuntos dali eram coitados, pois um enterro e uma cruz são uma convenção social; um enterro e uma cruz mal feitos são simplesmente convenções sociais mal feitas. Aonde quer que formos, ou se não formos a lugar nenhum, não será determinado por uma cruz.
O fato é que eu ficava pensando do que eles tinham morrido e o que tinham deixado pra trás nessa ausência.
Ausência. É muito difícil lidar com ela. Somos obrigados a mudar um percurso planejado, uma rotina de anos, temos que nos transformar, a conviver com a saudade, a nos confrontar e nos conformar, a perguntar a Deus se ele foi justo, a levantar todos os dias e continuar a vida, a acordar a cada manhã pensando que será melhor que ontem pois devemos isso a alguém que nos deixou. Somos obrigados a continuar, senão morreremos também.
Aquilo que eu via não eram só cruzes - havia uma flor seca ao pé de uma delas. Talvez tenha sido deixada por uma menininha sem pai, ou por uma viúva, ou quem sabe por um amigo sem irmão, uma mãe sem filho.
Não é só uma cruz, é um legado que deve ser respeitado.
Aquilo que eu via não eram só cruzes - havia uma flor seca ao pé de uma delas. Talvez tenha sido deixada por uma menininha sem pai, ou por uma viúva, ou quem sabe por um amigo sem irmão, uma mãe sem filho.
Não é só uma cruz, é um legado que deve ser respeitado.
Não são apenas ossos demarcados, são histórias que se findaram, ou que continuaram com a ausência de alguém.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Uma cruz à beira da estrada
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