Saudade de meu Pai
 
    À medida que o tempo passa, vamos substituindo certezas por incentezas. Assim como trocamos de roupa todos os dias, começamos a perceber também que nada é perene, duradouro. Temos que adaptar as vestes ao corpo, e este a elas.
     Numa rua havia uma casa e nela um amigo. Uma árvore que produzia frutos e sombra. Naquela rua, com o amigo, à sombra da árvore, tudo era sonho... Volto àquela rua. Cadê a árvore, a casa. Cadê o amigo? E os sonhos? Agora sou estranho, nada sou naquela rua. Nesta rua, hoje, sou cicerone dos meus passos.
  Na placa gasta pelo tempo, vislumbrava o seu nome, inquestionável confirmação de nossa verdade oculta e apagada. Crianças, indiferentes à minha presença... Neste mesmo espaço elas brincam, correm e sonham outra vez, dando continuidade à vida.
   Um papel em branco é expectativa, incerteza, esperança. Nele pode estar o anúncio da vida ou da morte. Canetas são prenúncio de palavras e de ideias que se formam e dão sentido às coisas e ao tempo. Um ninho de pássaros é presunção de vôos ou de tentativas – importa isso?! A missa supõe o padre, a igreja, a oração. A união busca entendimento, confraternização e alegria. A morte, ah... a morte física – ausência de emoções – é desespero e quem sabe alegrias.
  Hoje estou aqui. Os cabelos prateados, os primeiros irrefecíveis sinais do tempo no meu corpo outrora despreocupado e risonho. As mãos ainda continuam entelaçadas em sinal de humildade e agradecimento. Contudo, Pai, podes perceber já um certo quê de desalento na caminhada triunfante dos primeiros dias. É assim mesmo? Tudo deve ser assim? Não quero que me percebas egoísta. Sempre quis mais, talvez muito mais de alegrias para os outros. Mas hoje estou aqui. Não me vistes antes e nem depois. Li, certa vez, que nós desejamos necessariamente tudo aquilo que conserva o nosso ser. É verdade isso, Pai? Ou isso e tudo mais não passa de simples racionalizações egoístas e pragmáticas da vida?
     Aonde eu estou e Tu estás? Na retrospectiva de um simples ano, hoje ao alcance de todos via tecnologia e conhecimento atual, a minha alma, idêntica a todas as outras do universo, produziu, no silêncio da intelecção, lágrimas tristes que inundaram a seca prolongada de esperança.

 
Pai,
       "Tu me olhaste nos olhos
         A sorrir, pronunciaste o meu nome.
         Lá na praia, eu deixei o meu barco
         Junto a ti, buscarei outro mar".

– Pai, o senhor está agora absorvido pelas coisas de Deus, pelas Suas expressões de infinita beleza. Em confronto com esta nova vida, as coisas do tempo passado são pequenas e insignificantes!

Mozart Gonçalves nasceu em Carmo do Rio Claro-MG no dia 21-04-1902, e faleceu em Belo Horizonte no dia 19-12-1981.


                                               Roberto Gonçalves
               Escritor
RG
Enviado por RG em 10/08/2014
Reeditado em 09/08/2016
Código do texto: T4916888
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