Ab imo pectore, meu pai
Meu pai, João Belizário de Souza, faleceu dia 20 de janeiro de 2007, às 15h30, aproximadamente, no Hospital Municipal de Marabá. “Causa mortis”: pneumonia profunda. Morte com antecedentes patológicos, morte natural, a que as pessoas mais simples chamam “morte morrida”, para diferenciar da morte violenta ou provocada (homicídio, suicídio, acidente).
Natural ou violenta, a morte é sempre terrível, inaceitável, aterradora. “Das coisas terríveis, a mais terrível é a morte, porque é uma, porque é certa e porque é imprevisível”, escreve em sua “Medicina Legal” o professor Genival Veloso de França.
Durante o velório, inúmeras vezes (calado, mas traspassado pela dor do indizível e aterrador sentimento de perda, acompanhado do característico nó na garganta), olho o corpo inerte do meu pai. Agora, sem a vida, tudo torna imensamente frágil o mais forte de todos os homens, o mais corajoso, o mais admirável, aquele que ao longo dos tempos foi meu herói, notadamente nos anos sofridos, mas dourados, da minha infância paupérrima. Seu rosto pálido, os lábios desidratados, os olhos fechados, as mãos magras e frias, o semblante das pessoas ao redor e toda a gravidade do ambiente exprimem de forma inconfundível, mesmo sem qualquer palavra (silêncio eloquente), a cruel realidade que eu muito gostaria fosse um pesadelo apenas: meu pai está morto.
Sou pai e sei, por isso, o que meus filhos são para mim, assim como posso, com efeito, imaginar com a exatidão do conhecimento de causa o que eu e meus irmãos fomos para meu pai, notadamente quando éramos crianças. Seus sonhos, anseios, aspirações a nosso respeito; seus medos, receios, suas angústias. Filho mais velho que sou, conheci antes que meus irmãos e mais do que eles os sonhos dele a nosso respeito, a respeito da vida como um todo. Mais do que isso, ele os compartilhava comigo: também os sonhei. Sonhos que não se concretizaram!
Calado, fico a pensar nas muitas vezes em que, certamente, aquelas mãos agora inertes e sem vida, então cheias de vigor, me seguraram, me acariciaram, me jogaram para o alto, me protegeram. Quantas vezes, sem dúvida, me beijaram a fronte, os cabelos, enfim, o corpo inteiro de criança, então cheios de vida e vigor, aqueles lábios agora ressequidos e mortos. A morte, ah, como é terrível a morte!
Não digo nada; fico calado. Apenas murmuro, de mim para mim mesmo, no meu sentimento profundo da impotência de todos diante do mais temível inimigo do homem, a morte: Meu pai, meu pobre pai, a morte tirou você deste mundo, encerrando hoje os dias de sua sofrida história, mas não será capaz de tirá-lo do meu coração! Vivo ou morto, o pai é sempre pai, como, viva ou morta, a mãe é sempre mãe, o filho é sempre filho.
Ah, meu pai, como gostaria de descrever no texto mais lindo de todos, fosse em prosa ou em versos, seu caráter, sua pessoa, sua inteligência, seus sonhos de toda a vida que não se concretizaram, sua figura de homem pobre, simples, sofredor, mas, acima de tudo, lutador, sonhador, trabalhador impoluto, pai extremado!
No entanto, malgrado o anelo do meu coração, não consigo fazê-lo: fracassei! Pai, eu fracassei! Eu, que, não obstante as tentativas que fizera, jamais tive palavras para descrever no texto mais lindo, fosse em prosa ou em versos, como acalentei ao longo de anos, a castanheira, fracassei mais uma vez: tudo que escrever para descrevê-lo será inexpressivo, incompleto! Só me resta, portanto, dizer, sem palavras bonitas, mas “ab imo pectore”: Pai, você foi, é e sempre será meu herói!