Confissão de um pai coruja

          1. Uma vez, alguém me disse que escrever sobre o dia das mães é muito, "mas muito" mais fácil do que escrever sobre o dia dos pais.
          2. E para mostrar que essa história é verdadeira, abusando de minha paciência, enumerou os motivos que julgava suficientes para justificar sua opinião.
          3. Antevi que o seu principal argumento seria comparar a permanente e inconfundível doçura materna com a austeridade paterna.
          4. Tentei, então, convencê-lo de que nem sempre a ostensiva ou discreta austeridade paterna pode ou deve ser traduzida como falta de amor pelos filhos. E sorrindo lhe disse: olha, tem pais que são ótimas mães...
          5. Repetia, apenas, a conhecida frase do escritor, cronista e jornalista mineiro Otto Lara Resende (1922-1992). Certa feita disse o Otto: "Como pai me considero, modéstia à parte, uma exemplar mãe." Quis ele dizer, imagino, que se considerava um pai tão bom quanto uma mãe.
          6. Deixo para os pais dos meus netos - Catarina, Davi, Bernardo, Vitor e João - a incumbência de contar pros seus filhos se este viajado avô, em algum momento, chegou a ser uma mãe.
          7. Numa rápida autocrítica, diria que se não fui ou não sou, como pai, uma mãe exemplar, fui, sou e serei sempre um pai coruja. Talvez por isso tenha me encontrado neste poema do Giógia Junior que, a seguir, transcrevo.

                 ORAÇÃO DA MAÇANETA
Não há mais bela música
que o ruído da maçaneta da porta
quando meu filho volta para casa.
Volta da rua, da vasta noite,
e o ruído da maçaneta
e o gemer do trinco,
o bater da porta que novamente se fecha,
o tilintar inconfundível do molho de chaves
são um doce acalanto,
uma suave cantiga de ninar.
Só assim fecho os olhos,
posso afinal dormir e descansar.
Oh! a longa espera,
a negra ausência,
as histórias de acidentes e assaltos
que só a noite como ninguém sabe contar!
Oh! os presságios e os pesadelos,
o eco dos passos nas calçadas,
a voz dos bêbados na rua
e o longo apito do guarda
medindo a madrugada,
e os cães uivando na distância
e o grito lancinante da ambulância!
E o coração descompassado a pressentir
e a martelar
na arritmia do relógio do meu quarto
esquadrinhando a noite e seus mistérios.
Nisso, na sala que se cala, estala
a gargalhada jovem
da maçaneta que canta
a festiva cantiga do retorno.
E sua voz engole a noite imensa
com todos os ruídos secundários.
-Oh! os címbalos do trinco
e os clarins da porta que se escancara
e os guizos das muitas chaves que se abraçam
e o festival dos passos que ganham a escada!
Nem as vozes da orquestra
e o tilintar de copos
e a mansa canção da chuva no telhado
podem sequer se comparar
ao som da madrugada que sorri
quando meu filho volta.
Que ele retorne sempre são e salvo,
marinheiro depois da tempestade
a sorrir e a cantar.
E que na porta a maçaneta cante
a festiva canção do seu retorno
que soa para mim
como suave cantiga de ninar.
Só assim, só assim meu coração se aquieta,
posso afinal dormir e descançar.


          8. Dia dos pais. Dia de presentes mas, acima de tudo, dia de fazer esta pergunta: afinal, eu sou mesmo um bom pai?


 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 09/08/2014
Reeditado em 09/08/2014
Código do texto: T4915743
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