Memória...
Frei Betto e Claudia Nina na Casa Rocco na FLIP
Claudia Nina autora de “Paisagem de porcelana” (Rocco) dá inicio a sua fala dizendo estar emocionada em partilhar uma mesa literária com Frei Betto. Logo uma questão é posta por Guiomar Grammont, mediadora da mesa literária, sobre a visão da memória no seu livro em que o enredo esta situado na Holanda, Claudia conta:
“__ A construção da identidade da personagem Helena uma brasileira que mora na Holanda, se faz pela sua desconstrução, como um quebra-cabeça ao contrário, em vez de montar, desmonta-se. Até o nome, que seria uma das peças deste jogo, por exemplo, é um desenho que se coloca e depois rapidamente se perde.
A autora lembra que ninguém na Holanda pronunciar o nome da personagem a não ser Peter, o seu namorado. A desestruturação (esquecimento) se faz também com o seu rosto, pois Helena não se reconhece nos espelhos, e só reaparece no final.
“— A memória no meu livro é aquela que tenta recuperar o passado, mas deixa pontos obscuros para poupar nossa saúde mental”.
Frei Betto foi enfático ao dizer na sexta-feira (01 de Agosto) na Casa da Editora Rocco, por sinal, uma bela casa-sobrado na área central de Parati pontilhada por suas janelas e portas grandes com as vergas curvas em madeira maciça, e, um jardim repleto de plantas com flores avermelhadas no quintal, balançando tal qual, bandeirolas do Divino Espírito Santo, ao vento frio da tarde. Ali me sentiria em pleno Brasil Colônia não fosse à fala do frei teimando em me acordar deste rememorar histórico:
“— Eu sou um memorialista, graças aos generais brasileiros! Comecei com “Cartas da prisão” e depois fiz “Batismo de sangue” e “O diário de Fernando””.
Frei Betto olhando para o público atento continua: ”Tenho preocupação de combater o “memoricídio”, o esforço de se apagar a memória de um povo.”
Questionado pela simpática mediadora Guiomar de Grammont sobre a criação dos seus personagens, ele, explica:
“__ Ao escrever um romance, somos todos personagens em busca de um autor talentoso. Do alto de nossa onipotência, criamos homens e mulheres, animais e robôs, na esperança de que a qualidade literária conceda a eles vida própria e plena sintonia com o fio narrativo.”
“__Julgo que não existe perda de identidade de personagem em meu romance “Aldeia do silêncio” (editora Rocco), o protagonista sequer tem nome, no entanto, a aparente falta de identidade é o que o identifica”.
Gostamos de ouvi-lo contar sobre uma das suas experiências nos quatro anos na prisão, no Regime Militar.
“— Quando fui preso comum, não se podia ter espelho na cadeia. E você não tem memória do próprio rosto. Cansei de ver presos pedirem consulta com um médico só para se verem no espelho que ficava no corredor próximo a sala de consultas!”