Quem é o animal?

Como deve ser de conhecimento das pessoas que acompanham esta página, recentemente um garoto foi atacado por um tigre em um zoológico de uma cidade do Paraná. Não darei mais detalhes pois não é da minha função de "escritor" fazê-lo.

Algumas coisas nesse caso, entretanto, merecem ser abordadas.

Como isso daqui não é um "casos de família", não falarei sobre o comportamento do pai. Apenas direi que ele estava errado, de fato, mas não foi o único e nem o último a errar. Quanto ao zoo, parto do pressuposto que, para funcionar, ele teria que respeitar as normas técnicas necessárias para estar em funcionamento. E nem com relação ao tigre. Ora, ele é apenas um animal selvagem, vivendo numa jaula. E por mais dócil que ele seja, como disseram os especialistas responsáveis pelo cuidado do bicho, ele continua sendo um animal selvagem, que estava acostumado, instintivamente, a viver livre. E com esse instinto, que ele atacou o garoto. Reitero, um comportamento normal. Por fim, gostaria de lembrar que era apenas um garoto de 11 anos, uma criança que, em teoria, era inocente, logo, não teve ela culpa alguma o ataque. Mas foi ela a única vítima.

Outro dia, navegando na internet, me deparo com uma reportagem onde estava sendo entrevistado uma das pessoas que frequentavam o zoo no fatídico dia do incidente. E é justamente sobre isso que quero falar sobre e tecer críticas. Ao animal racional, que, alterando seus instintos de homo sapiens ao reagir em determinadas situações de perigo iminente, registra o flagrante com uma artificialidade sem igual. Com uma inumanidade.

A pessoa relatou todo o ocorrido, que transcreverei aqui de uma forma livre. Primeiro, contou que viu a criança brincando livremente com o tigre. Sua primeira ação, natural de um bicho sociável, foi alertar o pai da criança. Este, deu de ombros. E é aqui que, ao meu ver, acaba toda a humanidade de um ser. O iluminado, antevendo já o perigo iminente e imediato, lançou mão do celular. Ato contínuo, a criança foi atacada. Aqui encerra a transcrição, não apenas da reportagem, mas do caso em si, que, óbvio, continua, porém, não será abordado pelos mesmos motivos supracitados.

A revolução tecnológica foi quase que uma benção na nossa sociedade, graças a ela, um dos motes do Capitão Planeta é plenamente possível: "O poder é de vocês!" De fato, temos agora o poder de retratar, facilmente, o mundo ao nosso redor, com tudo que nos cerca. E isso pode servir com uma forma de mídia nova. Durante a primavera de protestos que assolou (ainda bem) o nosso país a partir de junho de 2013, além de termos milhões às ruas, exercendo seu direito de protesto e reivindicando, presenciamos também o nascimento de uma nova forma midiática, que cobria os protestos in loco, no olho do furacão. A chamada mídia alternativa, que é justamente um contraponto à mídia tradicionalista, que anda meio moribunda recentemente. Para cobrir tudo, lançavam mão de smartphones, capazes de cobrir as manifestações e transmiti-las em tempo real na internet. E isso é bom.

Porém, como tudo ou quase na vida, essa revolução tecnológica também trouxe aspectos negativos. E o caso do garoto é um deles.

Somos a sociedade do espetáculo. Adoramos o sensacionalismos. Programas que jorram sangue na tela e manipulam os seus espectadores, ridicularizam indivíduos que, são sim, vítimas da sociedade capitalista brutal e, enfim, tendem a violar todos e quaisquer direitos humanos que conquistamos ao longo de séculos de lutas. William Randolph Hearst pode ser considerado o inventor dessa mídia sensacionalista, dessa mídia marrom. Mídia essa que muitos adoram.

Brasileiro adora uma novela, apesar de, ironicamente, os IBOPEs delas estarem cada vez menores, mas ainda assim fazem um grande sucesso.

No caso aqui tratado, aquele entrevistado viu o espetáculo acontecendo. Anteviu um resultado que era meio óbvio de se concluir. E apenas ficou realizando filmagens do espetáculo brutal que tomava parte naquele zoo.

Creio que a reação de qualquer ser humano médio, antevendo o perigo que poderia explodir a qualquer momento, faria de tudo para salvar uma vida humana, que nunca viu antes. Mas não, controlamos bem os instintos e fizemos a artificialidade. Por nossa omissão, um garoto teve seu membro amputado. Poderia ter sido pior. E muito.

Parabéns humanidade, demostrando cada vez mais quem é o animal! E o dito animal racional.

Não sou psicólogo e não tenho condição de analisar o ocorrido da "forma certa". Mas realmente, queria entender o que leva uma pessoa a fazer, ou melhor, a não fazer isso.

Para encerrar, sempre odiei o discurso de que o Brasil é do jeito que é (ou que aparenta ser) em virtude do seu próprio povo. Sempre achei esse discurso uma furada, lugar comum, balela total. Mas um acontecimento essa semana, apesar de que, a insinuação que farei aqui, ser meramente hipotética (apesar de que o caso é de fato verídico), traz a tona novamente tal discurso.

Na Austrália, uma pessoa caiu no vão do trem, ficando presa embaixo dele. As pessoas, passageiros, fizeram de tudo para retirar o homem debaixo da composição. Inclusive, empurraram o trem, o que se via na foto, para que a pessoa pudesse sair ou ser retirada. Infelizmente, só sobreolhei tal notícia, não cheguei a saber sobre o desfecho, mas creio que tudo terminou bem.

A questão que fica e que deixo pra vocês é: e se fosse no Brasil? O que aconteceria? Faríamos o possível para salvar o homem ou ficaríamos inertes, apenas filmando o espetáculo?