O belo carro da velhinha artesã.
João, mecânico do bairro, era louco pelo Escort Guia verde metálico zerinho de seu Jerônimo e dona Idalina. Quando a manutenção do carro passou a ser feita em sua Oficina, o rapaz não se cansava de elogiá-lo.
O carro estava com dez anos quando seu Jerônimo faleceu.
Discretamente o mecânico passou a incentivar a viúva a vendê-lo: “Ande de taxi, é mais barato e mais seguro pra senhora que está sozinha.”
Dona Idalina ao notar o crescente interesse do rapaz, visitou revendedoras de usados, pra fazer a avaliação do carro que, só ela sabia ter “pontos fracos”, e como boa artesã ela maquiava muito bem: era uma colinha aqui, outra acolá, sem descuidar da higiene de bancos, porta malas, vaselina nas borrachas, e até um tantinho de querosene pra manter as peças do motor como novas.
Um dia, João por telefone, fez uma oferta pra comprar o Escort.
_ Vou pensar João, eu preciso pensar. A senhora desligou o telefone esfregando as mãos, feliz, e espantada com a ingenuidade do rapaz.
A venda se deu justo no dia que ela recebeu as passagens pra Europa pra onde se mudou.
João feliz com o Escort comprado acima do valor de mercado, bem sabia, mas que era uma relíquia, convidou amigos para viajarem em caravana: cada qual no seu carro. Não cabia em si de contente, e antegozava a cara dos colegas da Oficina que deveriam estar cheios de inveja.
Os primeiros duzentos km foram só alegrias: lanches, fotos, almoço, ultrapassagens ruidosas, som no último volume...
A cada parada, João de longe namorava disfarçadamente o seu carro reluzente ao sol!
Quando os defeitos começaram a aparecer, vieram em cascata: ao bater a porta, caiu uma maçaneta, depois o retrovisor; foi voltar pra estrada uma calota voou longe, e o limpador do para-brisa-traseiro ficou pendurado...
A gota d’água foi constatar que a correia dentada estava prestes a se romper.
Muito aborrecido, o rapaz substituiu a correia que, felizmente tinha entre os materiais de emergência; e desiludido voltou pra casa.
João se lembrou que dona Idalina sempre se sentava no banco de trás quando o marido dirigia. Por curiosidade foi inspecionar o banco do carona. Só então viu que o banco havia sido cerzido. O trabalho era perfeito, mas certamente não aguentaria uma pessoa sentada...
O carro permaneceu na Oficina coberto com uma lona mais de seis meses. Um dia João vendeu o carrinho a um homem que, desejou ver o que havia embaixo da lona. Ao ver o carro o comprador acendeu luzes no olhar.