Último dia de férias
Que violência é o despertador! Quando ele me acorda significa que ainda não dormi o bastante e que o meu corpo ainda precisa de mais repouso. Mas o meu pobre corpo nada sabe sobre essa confusa vida em que nos metemos, cada vez mais cheia de compromissos e horários para fazer aquilo que não temos vontade. Então ele se levanta, mesmo a contragosto, mesmo que depois a saúde reclame. Resta o consolo das férias, quando é permitido acordar a hora em que bem entender, mas a essa altura o corpo já está tão acostumado que acorda no horário de sempre, mesmo sem despertador. E assim vamos levando os dias, os anos, sem pensar muito a respeito, até o dia em que iremos dormir para sempre.
Esse tom mal-humorado tem explicação: é o meu último dia de férias. Significa que em breve estarei novamente trancado em uma sala com ar condicionado, plantado em frente ao computador e fazendo coisas que não estão entre as que eu nasci para fazer (para estas, só existem as horas de folga ou, às vezes, as de sono). Mas é claro que nada disso aparecerá nos indicadores sobre o mercado de trabalho, tampouco nas promessas feitas em período eleitoral, pois a todos o que importa é que o maior número possível de pessoas esteja trabalhando, façam o que fizerem, gostem do que fazem ou não.
Convém aproveitar cada minuto, descansar o máximo que puder, passear o quanto for possível, ver pessoas que há muito não víamos, comer coisas que há muito não comíamos. Mas o último dia é especialmente triste, porque então sabemos que estamos fazendo tudo isso pela última vez. Olhamos para o calendário, vemos que este não é um ano de muitos feriados, consultamos dezembro para ver em que dia da semana cai o Natal. Porque precisamos participar outra vez dessa tradicional festa ocidental chamada férias. Ainda que a passemos em filas de carros ou, como escreveu o Henfil, em cinemas ou teatros, onde artistas contratados vivem pela gente coisas essenciais como amor e sexo.
Mas a economia vai bem.