CINCO MINUTOS NA GUERRA

CINCO MINUTOS NA GUERRA

Outro dia, faltando quinze minutos para às sete horas da manhã, estava eu desembarcando de um ônibus coletivo, dentro do terminal Praça da Bíblia. Assim como quem não quer nada resolvi observar melhor as pessoas que transitam ali dentro.

Observar melhor, pois nós, literalmente cem por cento, passamos uns pelos outros e não nos vemos. E se, dentro de um recinto de maior aglomeração é muito pior. Se por um acaso nos encontramos com alguém de nosso relacionamento, mal o cumprimentamos. Cada um com a sua pressa e seus problemas. Os outros que se virem, nesta insana guerra!

Pois bem, fui para o meio da pista que separa as duas plataformas de embarque e desembarque. Ali naquele ponto é o lugar de maior conversão de pessoas. Uns que vem ou vão para o centro (direção oeste) e outros que vem ou vão para o leste (bairros e cidades satélites). Por isso é chamado de eixo leste-oeste.

Independente de onde venha um ônibus, o fluxo de pessoas é uma verdadeira romaria, para não dizer formigueiro. Principalmente nos horários de pique, de manhã e à tarde.

Eu não estava ali para fazer chacota ou escolher ninguém para concurso de beleza, por isso reparava mais quem estava bem próximo de mim.

Parados bem à minha frente, na plataforma leste estavam oito pessoas.

Um senhor já avançado na idade, talvez aposentado. Pouco provável, pois àquela hora deve que ia para o trabalho. Trajava ele uma calça de cor indefinida, talvez abóbora, meio que amarela; camisa de mangas compridas, na cor branca gelo e um chapéu de pano, tipo boné de abas caídas sobre as orelhas, indo até os ombros; as feições dele o caracterizavam como triste, de jeito a ter poucos amigos. Olhos grandes esbugalhados, distantes um do outro, de sobrancelhas espessas (pelo de aranha).

Outro homem, muito alto, próximo dos dois metros; magro, tanto que via se suas costelas sobressaindo no tecido da camiseta que usava. Camiseta esta de um verde falso, calça jeans, tênis escuro e sujo de lama. Este homem aparentava idade próxima dos trintas, se muitos trinta e cinco; rosto ossudo, nariz aquilino, lábios finos e secos, olhos pequenos e azuis água; e orelhas de abano.

Uma jovem mulher segurava uma sacola de plástico, cheia de alguma coisa pesada, pois ela constantemente trocava a sacola de mão. Parecia não saber para que lado pegar o ônibus. Ora olhava para leste ora para oeste. Seu olhar era algo vazio, como quase todos que têm a pupila de coloração em azul profundo. Trajava ela um vestido longo, todo preto, sem, contudo aparentar mau gosto ou luto; calçava sapatos femininos, também pretos como azeviche. Seu corte de cabelo era algo inusitado, quase raspado do meio da cabeça para frente e o restante longo, batendo bem abaixo das omoplatas.

O quarto personagem era... como diria: homossexual. Devia ter nascido homem; e, com as peripécias da vida resolveu trocar de lado. Vestia uma blusa decotada em “V”, expondo à mostra seios grandes e fartos, característico de silicone. Saia rodada batendo acima do meio das coxas; sendo estas uma aberração; pois o referido ou referida era alto. Algo por volta de 1,85 m. Ambas, blusa e saia na cor rosa choque. Mas gosto cada um tem o seu como aquele órgão impar. Por incrível que pareça não fazia escândalo na postura nem nas palavras. Tinha ela/ele rosto anguloso, ossudo; e, não sei se pela maquiagem ou de natureza, mais escuro do que as outras partes do corpo, expostas, como as coxas e braços. Estes por sinal, finos e compridos; e, no direito uma sombrinha pendurada. Olhos rasos, escuros e lagrimados. Pés descomunais para uma figura feminina.

O quinto ou quinta era uma garota adolescente, de 13 para 14 anos. Parecia amiga da “outra”, pois confabulavam em voz baixa. Trajava uniforme escolar: blusa branca e saia azul. Magra, não muito, talvez branca demais. Cabelos longos quase loiros. Não bonita nem feia. Ao falar fazia trejeitos com o queixo, num movimento ritmado, para cima e para baixo.

O sexto e sétimo personagens se completavam. Mãe e filho. Ela trintona, desarranjada, descabelada e desprezada. A criança recém-nascida, também estava desarranjada, desmazelada e desprezada. Sinais de pobreza latentes, tanto de bens matérias, posses; como de espírito. Até os mais miseráveis podem e devem cuidar-se; a higiene pessoal é obrigação, não educação.

O último personagem um menino, menos de dez anos. Todo serelepe, corria para lá e para cá.

E eu o nono, veja bem dos parados, já que o burburinho de gente indo e vindo era incessante.

Não fiquei mais do que cinco minutos naquela indiscreta observação, mas posso dizer: para todos ali presentes, parados e/ou de passagem... estávamos numa guerra... guerra pela sobrevivência, sem soldados e nem generais; sem armas e nem almas; cada um na sua batalha individual; e pior na solidão no meio da multidão.

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 07/08/2014
Código do texto: T4912918
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