VIDA VIRTUAL



 
        Todo mundo fala em vida virtual, amores virtuais, sites de relacionamento, tablets e cia...mas, isso tudo, de certa forma, é muito recente. Eu comecei a me tornar um ser virtual há 30 anos; há 25, o processo se completou. Sou, deveras, a mais antiga criatura virtual que conheço... a mais antiga, ou quase... E não sobrou quase nenhuma rua, estrada, vereda por onde eu possa seguir para  tentar voltar a ser imediata, real.
               Na verdade, muito antes de mim e  disso tudo, Fernando Pessoa já afirmava, no poema "Tabacaria": "(E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses/ (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso.")
               Então, a Internet e a tecnologia de ponta constituem, em última análise, meros instrumentais de uma virtualidade contemporânea. Virtuais sem esse nome sempre foram os artistas presos à  radicalidade  de um certo sentimento de não presença, de "não se estar onde se está", de ser-se um exilado permanente, um estrangeiro, um "não-pertencido a". Para muitos, isso constitui apenas o sinal de uma patologia. Quem sou eu para dizer que não o é, uma patologia. Há um poeta dos Estados Unidos, de cujo nome não me lembro no momento, para quem "a linguagem é um vírus."
               Dou-me conta de que me desviei brutalmente do rumo que essa prosa  prometia seguir, a partir da escrita no primeiro parágrafo. Bem... A poesia foi, mesmo, a grande culpada por eu ter me tornado, há 25 anos, um ser virtual "completo". Até aí, pouca novidade: a poesia torna seres virtuais, muitos poetas, o Fernando Pessoa  é exemplo claro disso. No meu caso, a poesia foi o instrumento que me levou ao amor: o amor me tornou uma criatura virtual. Não posso dizer mais, que dizer mais são "outros quinhentos", como diziam os nossos bisavós.   
                  Só posso  terminar dizendo que nunca mais, nunca mais me houve cura possível. Por causa do amor; também por causa da poesia, embora eu não me considere realmente poeta.