A felicidade do fotógrafo
Por falar em fotografia, era exatamente isso o que ele mais gostava de fazer. Mas não se saberá nunca até que ponto isso foi um desejo natural ou apenas um meio de evitar que ele próprio aparecesse nos retratos. De fato, era sempre ele quem pegava a máquina durante as festinhas e eventos sociais de que participava. No começo não tinha nenhuma habilidade especial: apenas mirava e disparava, sem se preocupar com o cenário que havia ao redor. Mas depois começou a fazer uns cursos, a ler uns livros, e descobriu com Roland Barthes o que era punctum (não confundir com plâncton). Trata-se de um detalhe não previsto inicialmente na foto mas capaz de impactar quem a vê (nem sempre o mesmo detalhe). Passou então a prestar mais atenção na composição da imagem e a desprezar as fotos meramente posadas.
Só que é muito difícil tirar fotos que não sejam posadas. Precisa pegar a pessoa desprevenida, não pode avisar que vai tirar a foto, e sempre existe o risco de que a pessoa não queira ser fotografada e venha reclamar. Ele andava muito pelas ruas tirando foto, mas sempre disfarçando. Preferia os grandes eventos, onde todo mundo acha muito natural que alguém tire fotos. Como um casamento, por exemplo. Como o casamento de uma amiga com quem ele próprio um dia desejou casar.
A vida tem dessas ironias. Ele realmente não queria perder esse dia, mas nunca imaginou que estaria do outro lado, fotografando a noiva e... e esse sujeito que ela escolheu passar o resto da vida. Precisava captar as expressões de maior felicidade do casal, expressões que naquele momento saiam tão naturais, mesmo nas fotos mais posadas. Tirou muitas fotografias, mas tinha certeza de que ninguém iria compartilhar do seu punctum. O seu abatimento naquela noite não transpareceu em nenhuma imagem. Todo mundo enxergaria apenas os flagrantes de alegria que conseguiu registrar. E ele achou que era justo que assim fosse. Quem, afinal, está preocupado com a felicidade do fotógrafo?