Azulejos da parede de um hotel
Que graça tem um postal com os azulejos da parede de um hotel? É o que ela perguntava quando me mandou um postal com os azulejos da parede de um hotel. Um hotel em que ela nunca esteve, é claro, pois é destinado especialmente aos homens bem-sucedidos que vêm a Brasília discutir os negócios do poder. Mas, ainda que tivesse estado no hotel, ela não iria fotografar a parede para mostrar a alguém. Naturalmente, alguém explicaria que não se trata de uma simples parede, mas uma obra de Athos Bulcão. A ela, contudo, isso importa menos do que a desculpa para me escrever – é o que diz o postal. Mas sabe como esses postais são pequenos, então ela não escreveu muito mais do que isso. Despediu-se e usou como assinatura um apelido carinhoso que usávamos entre nós.
Usávamos, porque o postal não é de hoje. Ela me mandaria mais dois nos dias seguintes, sempre de Brasília, sempre com obras de Athos Bulcão. Dizia que o abstracionismo geométrico tinha a ver comigo: a gente tenta seguir umas linhas, formar figuras, entender o que tem por trás, acha que entende, mas não entende nada. Então abstrai e, no fim, acha bonito, gosta do resultado. No último postal, ela agradecia a minha companhia e dizia uma porção de exageros a meu respeito. Terminava desejando tudo de bom hoje e sempre.
Ah, naquele tempo éramos amigos, amigos que começavam a achar que valia a pena ter algo a mais. Mas estávamos descompassados, pois ela achava muito mais do que eu. E eu não me comovi ao receber esses postais tanto como agora, quando já está tudo terminado. Sinto uma grande culpa, pois sei que depois disso houve muita discussão, muitas palavras duras, e deve ter havido um dia em que ela tentou abstrair e não gostou mais do resultado, e talvez tenha havido outro em que não desejou mais tudo de bom para mim. Há coisas que são difíceis de entender e, por mais que se busque um sentido, não passam de azulejos da parede de um hotel. E isso, afinal, não merece uma fotografia.