Um sonho de simplicidade
Responda sinceramente: o que faria você feliz hoje? Tomei emprestado o título de uma das crônicas do Velho Braga, escrita em novembro de 1953, para responder a esta pergunta: simplificar a vida. Começaria descarregando boa parte do que levo diariamente na bolsa e que tanto me pesa aos ombros a ponto de afetar – com requintes de crueldade – a minha coluna. Desde nécessaire com maquiagem, remédios, álcool gel, soro fisiológico e outras coisas mais, ao guarda-chuva, casaco para os ambientes refrigerados, lenços de papel, carregadores de celular e – como toda jornalista – bloco de papel, inúmeras canetas (caso alguma falhe), câmera fotográfica e etecetera. Queria simplificar a vida de modo que ela coubesse numa pochete, daquelas dos anos 80 em que mal cabiam a carteira, o batom e a chave de casa.
Queria saber o essencial para viver sem expectativas sobre mim e sobre os outros. Ter uma casa para voltar, chuveiro quente e Wi-Fi. Não ter que dar tanta explicação sobre tudo: não fiz porque não quis ou fiz porque sei lá. Ter menos livros, DVD’s e CD’s. Menos mobília e roupa para passar. E, depois de tanto desapego, simplificar a rotina como aquela criança que dorme tranquilamente sem pensar no dia que passou ou no seguinte. Para isso teríamos que reinventar o pensamento sobre como fazer as coisas de forma leve e sossegada. Como não carregar o peso das escolhas que fazemos todos os dias? Um peso que dorme e acorda conosco e que faz doer a alma.
Outro dia, um artista de rua, desses que fazem malabarismos no sinal de trânsito, me fez pensar quão resumida é a vida desses que se propõem a viver de forma tão livre e imprevisível. Resumida no sentido do pouco que trazem consigo para realizar a missão de levar arte às pessoas que atravessam apressadas a faixa de pedestres e aos motoristas que buzinam tão logo o sinal esverdeia. Gente que faz o dia ficar mais leve e bonito, que se move no espaço público e muitas vezes sequer é notado. O abstrato diante de um cotidiano concreto e caótico. Arte que cabe numa pequena mochila.
Um dia, de repente, deparamos com um sonho assim. De viver despretensiosamente e distraídos diante do destino que finge saber de tudo, e como estátua viva no meio da rua, fica paradinho esperando contribuições espontâneas da plateia. O destino sabe que o sonho não depende dele, e sim de nós, que teimamos em complicar a vida, com doses diárias de urgências e mal-entendidos. Estou, como o Braga, em busca de algo sólido e singelo que me “deixasse com a alma sossegada e limpa”. Algo bem descomplicado.
Publicada na Revista Lugar de Notícias - edição julho / 2014