Separados por óculos
Sempre senti uma admiração meio que muda pelas crianças, não sabia muito bem como recompensá-las ou demonstrar meu sentimento, resolvi ser mais paciente, ouvi-las mais, puxar assunto, rir e é só isso que elas precisam para virarem aliadas de nossa caminhada pelas primaveras. É com muita certeza que digo que, uma das coisas mais bonitas que existe é um sorriso sem dentes desses filhotes. A convivência com primos menores, irmãos, sobrinhos faz você penetrar em mundos coloridos, risonhos, imaginários, ingênuos, e que lindos o são assim, incorruptíveis.
Foi muito discutido em minha casa a idade certa para desfazer o mito do Papai Noel, mas chega uma certa idade que nossa redoma feita em torno da criança a torna “babaca” para sua idade na escola, sim, nós não podemos alimentar um universo mágico e temos de trazer para a selva aqueles que planam entre as nuvens... Falamos de super-heróis falsos, criamos fantasias, destruímos sonhos de voar ou soltar teia pelas mãos... Triste realidade, mas eles continuam a rir e pensar mais.
Cheio desse espírito infantil comecei a não destruir sonhos, e sim alimentá-los com possibilidades mil, afinal de contas, porquê dizê-los que não se pode voar, se usamos o avião? Porquê dizer que não existem super-heróis se temos os policiais, bombeiros e médicos por aí... Vai entender
Mesmo que pareça infantil de minha parte fico a perguntar quem são aqueles que decidem a hora que devemos deixar de ser criança, apoio que sejamos crianças todos os dias quando definimos as coisas de jeitos mais ternos, quando aprendemos com os mais experientes, quando perguntamos o porquê das coisas ou quando simplesmente não falamos nada e damos um abraço... Sim, crianças são relógios celestiais de ternura e solidão, sempre alertas a qualquer angústia na casa que possa ser suprimida pelos seus bracinhos e coração quente... Sejamos infantis.
O mais engraçado é perceber nossa hipocrisia... Tolhemos os devaneios de voar, ler pensamentos, soltar fogo, superforça, e ao mesmo tempo a ciência tenta nos tornar super-humanos, imortais, por isso vou com Einstein quando fala que a criatividade é a inteligência brincando... Diria que é essa sendo criança.
Tive um dia desses hoje, brinquei, perguntei, ri, fui criança com uma criança, e que linda sua visão ainda ingênua de tudo... Pude perceber que essa criança com quem eu conversava já não acreditava na existência dos super-heróis, mas ainda cria na sua invencibilidade fronte aos humanos. Esse menininho ainda acreditava na superioridade do Max Steel e do Homem Aranha, ele até tinha uma fantasia do último, e quando a vestia pedia para ser chamado de tal... Lindo mundo encantado de heroísmo, é o que precisamos hoje, mais super-homens, não com visão de laser ou que voe, mas que tenha infantilidade para não “adultizar” demais as coisas, ficar um pouco a par de tudo, amar sem criticar, esse tipo de mundo encantado eu ainda sou criança para acreditar que exista, já tenho meus super-heróis da vida real.
A maior lição que tirei hoje foi quando essa criança com quem eu conversava descreveu uma pessoa idosa na rua de avó, e assim como ele eu a caracterizei assim... Avós são arquétipos já conhecidos, em seus papéis homogêneos e regulares, avós se vestem com avós, seus óculos na ponta do nariz, seu amor na ponta da língua, sua língua a falar bem dos netos. Uma avó muitas vezes tem cabelos alvos e bem cuidados, mas pode não tê-los e ainda assim a reconheço como avó...
Nem toda avó é avó, há de ter um quê de ternura e cumplicidade com a manha dos netos, uma crença fora do comum na religião, uma criancice única de rir com “netices”. No fim de tudo pude notar que avós não são mais do que crianças, essas se agarram a religião como seu mundo encantado, seus superpoderes incluem mãos de fada, dedo verde e mãos de enfermeira... Devemos ser avós mais novos, crianças mais velhas, adultos infantis e idosos, uma constante renovação que gera esse ciclo vicioso que é viver.
Gabriel Amorim 02/08/2014