"NO DEVAGAR DEPRESSA DOS TEMPOS"

Sempre ouvi a voz dos livros, meus companheiros na viagem da vida, que me respondiam sendo surdos e cegos. Surdos, a mim ouviam; cegos, a mim guiavam. Vejo que Padre Antonio Vieira tinha razão, quando disse que o livro “é um mudo que fala”.

Vim me trazendo na vida, sob a guarda de meus anjos e dando passos no caminho das letras. Em algumas delas tropecei, noutras, sentei-me para descansar e apreciar a paisagem.

Dentre aquelas nas quais me encostei para descansar, estão muitas de Guimarães Rosa. Para compreendê-las eu precisava de tempo. Foram momentos preciosamente gastos, na busca do entendimento. No redondo de cada letra, acendia-se em mim uma luz para mais um passo e, assim, vim caminhando “atrás do vagalume lanterneiro que riscou um psiu de luz”.

“No devagar depressa dos tempos”, fui mudando e, do opaco, me surgiram coisas, com as quais fui crescendo, “sem saber para onde”. Em Rosa não tropecei; antes, espalhei-me na poeira das palavras.

Tive solavancos em algumas frases de outros, não porque eles tivessem errado, fique longe de mim tal afronta! Porém, porque sou atrevida e porque me dou ao desfrute de discordar de certas coisas que leio e foram gravadas pela história.

Não plantei arbustos com espinhos, para que me ferissem posteriormente. Sempre gostei de boas sementes e procurei semeá-las em solo fértil e bem regado... por mim, claro. Se assim eu não fizesse, de nada adiantaria realizar a semeadura.

Dei-me o direito de ser princesa e tomei como exemplo algumas passagens de Hamlet, escolhendo, a cada dia, o meu modo de agir sob as próprias escolhas, lutando com as antinomias da vida. Talvez fosse esse o melhor modo de, um dia, chegar a ser rainha.

Quanto atrevimento, alguns dirão. Entretanto, não quero reinar sobre pessoa alguma e nunca busquei vassalos. Tento ser rainha de mim mesma, buscando acertar com minhas escolhas, acatando o livre arbítrio, sem ferir o próximo.

Assim, percorro meus caminhos, defendendo direitos inalienáveis, tal qual fez Victor Hugo em O último dia de um condenado à morte, já que todos estamos condenados ao desencarne e nada se pode fazer para fugir a essa determinação.

Comigo seguem os frutos que colhi à beira da estrada, tenho o cesto cheio deles, transbordando até. Catei-os de cada história ouvida dos homens e das mulheres que por mim passaram.

Com esses companheiros eu pude ver que, muito mais que arbustos espinhentos, há lindas flores à beira dos caminhos, embora ambos sejam produtos de nós mesmos.

Tenho ao meu lado o Evangelho, de onde tiro boas respostas e grandes lições, quando piso em falso. Isto é corriqueiro, confesso, porém onde há a Boa Nova, sempre existe um necessário e urgente ensinamento.

Com olhos e ouvidos atentos aos livros, dirijo minha vida e, ao contrário de Baudelaire em Les Fleurs Du Mal eu peço a Deus (e não a Satan) que tenha piedade de minha longa miséria.

Assim, sigo “no devagar depressa dos tempos”, aprendendo a respeitar ao próximo e a mim mesma.

02.08.2014

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Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 02/08/2014
Código do texto: T4906302
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