Pasárgada!
Crônica
     Um poema de Manuel Bandeira levou vinte anos para ser composto. Isso considerando o período desde que o autor ouviu o nome da lendária cidade pela primeira vez até a conclusão da obra. Durante a quase totalidade dessas duas décadas a palavra “Pasárgada” lhe ecoou na cabeça como um fantasma do bem, pedindo interação. Mas foi num tedioso dia em que tudo parceia não ter emoção alguma, que ele levantou-se de repente e disse em voz alta: "Vou-me embora pra Pasárgada!" Era a gênese do famoso poema, em profusão total.
     Ao contrário do que possa parecer, existiu, sim, uma cidade chamada Pasárgada. Não era tão linda e maravilhosa como na cabeça do poeta, mas ela foi palco de muita coisa importante na antiguidade
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Vou-me embora pra Pasárgada¹
     Pasárgada foi a primeira capital da Pérsia Aquemênida, primeiro grande império a respeitar dignamente os costumes, religiões e idiomas de seus conquistados. Considerando que as decisões políticas daquele império tenham sido tomadas em Pasárgada, nosso poeta Bandeira até que não divagou muito quanto a excelência da cidade.
Lá sou amigo do rei¹
     O principal monumento de Pasárgada foi a tumba de Ciro, o Grande. Diz-se que lá foi escrito: Forasteiro, sou Ciro, que fundou o Império dos Persas. Não tenha rancor por eu ter erigido este monumento. Diz-se também que Quando os soldados árabes queriam destruir a tal tumba seus guardiões convenceram-nos de que a homenagem não era para Ciro, mas sim para a mãe de Salomão, que ali teria sido sepultada. Foi então que substituíram o texto de Ciro por um verso do Alcorão. Também deram um novo nome ao local: Qabr-e Madar-e Sulaiman ("Tumba da mãe de Salomão"), como é  conhecido  até hoje.
     É o papo tá bom, mas, como diria Caetano:
 Esse papo meu tá qualquer coisa. E você tá pra lá de Teerã².
     Eis minha contribuição antes de ir para… Pasárgada, e ser amigo do Rei. Aliás, é bom citar, que Bandeira abdicou das outras seis mulheres que lá teria direito... Talvez o senso ocidentalizado o tenha comedido o desejo de apenas a que queria:
Lá tenho a mulher que eu quero¹
     A ficção de Bandeira foi mais forte quando profetizou o banho de mar. A menos que se referisse ao Golfo Pérsico, a mais de 200 Km dali, não haveria qualquer outra opção para o almejado banho.
Tomarei banhos de mar!"¹
     A Pasárgada antiga já não existe, mas continua presente na cabeça dos pesquisadores e amantes da História. Ao lado da nova Pasárgada, entretanto, a tumba de Ciro, mesmo suscitando dúvidas quanto sua autenticidade, paira imponente e exuberante. Quiçá pelos séculos e séculos vindouros
     Então? Vamos a Pasárgada? Não àquela de Ciro, mas à de Bandeira... Ou talvez a nossa particular, que habita nossos sonhos. A propósito, na minha velha Porto Velho, nunca houve mar. Eu, nunca percebendo esse detalhe, tomei muito banho de Madeirão².


 
¹ Vou-me embora pra Pasárgada - Manoel Bandeira
² Qualquer Coisa - Caetano Veloso
³ Apelido carinhoso pelo qual é conhecido o Rio Madeira em seu entorno.

Imagem: Fragmento de imagem da Wikimedia