Gafes
Existe algo de sábio na simplicidade dos ditados populares. Talvez porque expressem uma obviedade familiar que nem sempre estamos dispostos a encarar.
“Em boca fechada não entra mosca”.
Taí um ditado que eu não consigo praticar e não é de hoje.
Falo pelos cotovelos e sou daqueles que perde o amigo pra não perder a piada. Tento me controlar, mas é algo maior do que eu mesmo. Aparece uma deixa involuntária qualquer e vem aquele desejo irrefreável de fazer trocadilhos. Ás vezes dá certo e você até arranca um sorriso de canto de boca daquele amigo ranzinza. Mas pra quem fala demais, pior do que comer moscas é cometer gafes. Porque quanto mais você se expõe, maiores são as chances de falar alguma asneira da qual se arrependerá para o resto da vida.
Que atire o primeiro trocadilho o personagem público que já não cometeu gafes antológicas. O sempre espirituoso Lula já disse que a Namíbia era tão limpinha que nem parecia a África. O FHC chamou aposentado de vagabundo. A Marta Suplicy mandou relaxar e gozar. E a Carla Perez já disse que igreja se escreve com “i” de “iscola”. É isso aí, quem rebola não vai pra iscola.
Falando em escola, lembro até hoje daquela segunda-feira fria de agosto, meu primeiro dia de aula de português no novo colégio, após uma mudança de cidade, quando a dócil professorinha caiu na besteira de perguntar o que achei da aula.
Poderia ter respondido, como qualquer criança normal, que achei a aula legal, bacana, boa ou jóia, mas claro que eu não diria isso. Resolvi cavucar no meu limitado léxico alguma palavra difícil para impressioná-la, e ante seu olhar curioso e impaciente, soltei:
- Enfadonha!
Sorvi a decepção petrificada naqueles olhos angelicais como quem toma no gargalo uma garrafa de óleo de fígado de bacalhau. Engoli a vergonha como macho mirim e não desmenti. Até sabia o significado do termo, mas de supetão foi a palavra mais exótica que me ocorreu. Muitos hormônios e poucos neurônios, foi a explicação que encontrei para o episódio, anos depois.
Pior ainda foi o trocadilho que tentei fazer com encomenda, para uma conhecida de barriguinha avantajada, que eu jurava estar grávida, numa mesa lotada de gente durante um aniversário. Humilhação total. Minha espinha gelou e meus tímpanos substituíram o axé da Ivete Sangalo pela marcha fúnebre de Chopin. Só não me joguei da sacada do restaurante porque não tive coragem de encarar o chão de tanta vergonha.
Não lembro de mais nada que tenha ocorrido naquela festa. A amnésia é uma válvula evolutiva que a natureza desenvolveu para que possamos caminhar de cabeça erguida mesmo após os piores vexames.
Culpa dessa maldita mania de tentar fazer piada de tudo. Tive uma professora que vaticinou já na terceira série:
- Enquanto houver plateia o circo não acaba!
Não é fácil conter os próprios instintos, mas tenho tentando me policiar nestes tempos bicudos em que a patrulha do politicamente correto ronda à procura de incautos falastrões como eu. Num país onde os políticos são incorretos sobrou para os palhaços a missão de serem politicamente corretos.
E então engulo meus trocadilhos e piadas infames, deixando-os reverberar em minha cachola na esperança de que alguém com poderes telepáticos capte esses lampejos de originalidade inútil e me devolva um olhar de cumplicidade que é a recompensa dos palhaços diletantes que vagam pelo mundo em busca de um sorriso. Nem que seja aquele sorriso discreto, de canto de boca, que nem as almas mais enfadonhas conseguem conter.