MÃE MAROCA E A CRÔNICA DA VIDA
A primeira crônica que ouvi na vida foi narrada por Mãe Maroca. Quase toda noite Mãe Maroca, ou Velha Maroca vinha contar as suas histórias no alpendre da casa do meu avô. Um dia ela falava das suas curas, das suas rezas e da sua mezinha. Uma vez por outra ela contava histórias de Antônio Silvino, Jesuino Brilhante, Cabeleira ou do Capitão Virgulino Ferreira da Silva, sem ela nunca ter lido coisa alguma da vida destes bandidos. A Tia Marica não gostava de ouvir a Velha Maroca falando destas coisas porque achava ela que Mãe Maroca não tinha saber para tanto. A Tia Josefa gostava de ouvir as lambanças da Velha Beata porque a Tia Josefa era beata também. O repertório da Velha Maroca era muito completo e nunca faltava nada. Um dia ela trazia a vida alheia para sua conversa e no outro ela falava dos clientes, logo mais falava de suas curas e nunca faltava assunto para a velha curandeira conversar. Eu tinha 15 anos ou 16 quando assistia toda noite este jornal impetuoso da velha “misteriosa”. De todos nós quem menos gostava da conversa da Velha Maroca era a Tia Marica, que só acreditava nos seus livros e nos historiadores famosos. Nunca ouvi a Tia Ana Rosa reclamar da crônica tosca da Velha Maroca, a Tia Ana Rosa não lia coisa alguma e por isso tudo para ela estava certo. O pensamento da Tia Marica era outro bem diferente porque ela lia bastante e não acreditava nas frases sem nexo da velha curandeira. Eu era apenas um ouvinte da Velha Maroca, sempre para mangar da fala atrapalhada da velhota, sem cultura e sem reflexão. Quando Mãe Maroca vinha ao nosso alpendre, sempre aparecia outros ouvintes para assistir o falatório oco da nossa velha curandeira. Fui criado ouvindo sempre estas pessoas como Mãe Maroca falar coisa com coisa e dizer fatos fantásticos ou histórias de cura como era o caso da nossa velha matuta. O alpendre grande da casa do meu avô era o cenário onde a velha rezadeira tinha muita história para contar, embora a Tia Marica não desse muita atenção ao bate-papo frívolo da velha beata. Porém ela tinha outros ouvintes. Eu gostava de ouvir aquela voz pesada da Velha Maroca e o exagero que ela punha na sua conversa. Enquanto Mãe Maroca pensava em outro assunto, a Tia Ana Rosa trazia um pouco de café para a nossa contadora de história esfriar a garganta e continuar com seu discurso caótico. Uma vez ou outra parava para ouvir a velha conversar o seu Raimundo Francisco, o nosso vizinho. Seu Raimundo era como a Tia Maria, não acreditava no argumento da velha misteriosa. O que mais interessava na fala da velha era a voz fanhosa e o tom comprido de não acabar mais. Quando Mãe Maroca falava de Manuel Batista de Morais ou Antônio Silvino, eu lembrava-me de José Lins do Rego e o seu Meinno de Engenho, ou quando ela citava o nome de Jesuino Brilhante vinha-me a lembrança do cangaceiro potiguarino assassinando Honorato Limão, em Patú no Rio Grande do Norte. O alpendre da casa grande do meu avô ainda está muito presente na minha alma de poeta popular, os fatos contados por Mãe Maroca ficaram para sempre na minha retentiva de menestrel nordestino. De todos os ouvintes de Mãe Maroca, quem mais troçava dela era o nosso primo Arlindo, filho da Tia Raimunda. Arlindo era um menino levado da breca, e não respeitava ninguém. A nossa contadora de história tinha horror ao nosso primo acanalhado. Eu tinha o maior apreço pelas histórias da velha, embora fizesse a minha crítica oculta. Por que Mãe Maroca detestava Arlindo? Pela razão do mesmo criticá-la abertamente. Mãe Maroca para mim era a Velha Totonia de José Lins do Rego, no velho engenho paraibano. Enquanto eu existir, jamais esquecerei da casa do meu avô e destas figuras folclóricas que marcaram para sempre a minha vida de poeta solitário.
Autor: Antônio Agostinho