Da terra mais infértil, uma rosa há de nascer.
Pronto. Durante a noite, basta repousar a cabeça sobre o travesseiro para que uma infinidade de pensamentos, alguns até mesmo conflitantes, emerjam a minha mente. Adorável contemplação. Acredito que o desfrute solitário de um momento tem essa capacidade de nos mostrar de fato quem nós somos. Quando nossos constrangimentos e vaidades atingem um nível mínimo. De fato, nada representa melhor meu Eu do que quando aos meus pensamentos não se operam nenhuma restrição. Talvez seja essa a razão pela qual me orgulhe tanto de, em uma noite fria e entediante, poder me envolver sob um cobertor e sentir o calor de meu próprio corpo me aconchegar.
Não se trata de puramente deixar a imaginação trabalhar, tal qual eu fosse um louco fantasiando um universo paralelo. É algo muito além, do qual muitos preferem ignorar. Trata-se de um processo de construção do ser, ou uma enriquecedora auto-análise, como queiram. É mergulhar num mar de confusão e buscar um raciocínio lógico, assim como tento fazer o mesmo quando elaboro minhas crônicas.
É inegável que viver representa constantemente superar desafios. Do mais pobre ao mais rico, problemas em suas mais diferentes complexidades sempre se manifestam. Nesse sentido, penso ser fundamental aproveitar-se do erro, do problema, do fracasso e da ilusão para que nos tornemos pessoas mais humildes e sensatas, qualidades essenciais à vida em sociedade, e que infelizmente encontram-se cada vez mais escassas hoje em dia.
“Pensem nas crianças mudas telepáticas. Pensem nas meninas cegas inexatas. Pensem nas mulheres rotas alteradas. Pensem nas feridas como rosas cálidas” ( Rosa de Hiroshima, Vinícius de Moraes ). Sinceramente, acho esse poema, o qual foi escrito em homenagem às vítimas da bomba atômica no Japão, simplesmente emblemático. Trata-se de um apelo do eu lírico que clama por mais compaixão nas relações humanas. Quando mortos, feridos e sonhos mutilados não passam de mais um número nas estatísticas. Quando a ambição e o interesse de um grupo de pessoas parecem contar mais que qualquer outro sentimento humano. Sei perfeitamente que minha argumentação corre um sério risco que ser tachada de cliché, mas esse é o risco que se corre em tentar falar do óbvio.
Cada ser humano carrega um universo de potencialidades, inseguranças e expectativas dentro de si. Afinal, quem poderia imaginar até o início do século XX que o homem um dia seria capaz de pisar na Lua ou construir armas tão letais e destrutivas ? Do mesmo modo, quem poderia imaginar que o mundo também testemunharia a incrível simplicidade e bondade de pessoas capazes de abdicar de seus projetos em favor de uma nobre causa coletiva, como Mahatma Ghandi, Mandela, Martin L. King, Chico Mendes e tantos outros ? E de outro lado, quem imaginaria que o homem presenciaria guerras tão covardes e cruéis ? Acho cabível também perguntar como alguém em sã consciência pode considerar a morte de inocentes como mais um preço a ser pago. Pois bem, considero que o homem sucumbe à estupidez e à injustiça toda vez que subestima a figura humana em favor do poder, do dinheiro e de suas vaidades.
Diante de tantos erros que nos cercam, acho válido e reconfortante imaginar-me em cenários diversos. Tal qual de alguma forma pudesse fugir e encontrar-me em um quarto qualquer. Um quarto de uma casa simples de madeira no alto da montanha num dia frio e chuvoso, um lugar onde solitariamente pudesse abrir a janela azul de madeira corroída e comtemplar o horizonte verde a minha frente enquanto sentia o cheiro inconfundível de terra molhada e ouvia o canto dos pássaros. Como se mesmo que por alguns instantes, de fato, eu pudesse estar lá, bastando apenas fechar os olhos.
Enfim, numa era onde quase tudo se torna automático e mecanizado, onde se privilegia a cultura do descartável inclusive nas relações humanas, acho cada vez mais indispensável questionar, debater e refletir sobre a vida. Sei que pode parecer mais uma opinião infundada, mas considero que o mundo seria mais justo se mais pessoas se imaginassem em “seus quartos numa casinha de sapê” e exercitassem constantemente sua humildade e simplicidade. O mundo seria mais justo se mais pessoas analisassem a história não pela lente do observador, mas sim pela do observado
Trabalhar com hipóteses é sempre complicado. Trata-se do que é contra intuitivo, o futuro não realizado. Entretanto, assim como o erro já cometido e incurável, as hipóteses acerca do passado relegam ao homem importantes pistas de como e qual caminho trilhar. Penso que a solução passa pela busca de mais humanidade em nossas relações. No fundo, bom mesmo é poder conservar nosso lado mais infantil e idealista. Afinal, nada representa melhor a esperança do que o sorriso de uma criança.