Sala dos poetas mortos
Cansado de poesia — ela nunca lhe rendera um único tostão — e de perder noites de sono e a saúde, resolveu cortar a mão direita com a qual escrevia seus versos que só as traças liam, no fundo da gaveta de sua escrivaninha. Já havia tentado de tudo para parar de escrever e não conseguira; não tinha outra saída.
Passados alguns dias não conteve a vontade e começou a escrever com a mão esquerda. Por um momento até que ficou satisfeito, pois essa mão nunca lhe servira para nada — avaliação essa um tanto injusta — mas passada a novidade, cortou-a também. Foi um pouco trabalhoso, pois já não tinha a outra mão, mas deu um jeito — que não vou narrar aqui para poupar o leitor.
Passados alguns dias não conteve a vontade e começou a escrever com o pé direito. Cortou-o. O mesmo aconteceu com o pé esquerdo.
Aconteceu que deu para sonhar escrevendo poesia e imaginando que seus olhos eram os culpados arrancou-os. Mas fiquem tranqüilos que não vou contar como, pois essa crônica não é uma crônica de terror , é apenas a história de um poeta que não queria ser mais poeta.
Passados alguns dias ele não conteve a vontade e começou a recitar versos. E eram até bons os danados! Mas não queria ser mais poeta: fechou a boca e nunca mais abriu. Logicamente ele morreu de fome.
Como ele não era um mau sujeito foi parar no céu. Quando acordou ficou admirado, pois estava inteirinho da silva: mãos, pés e olhos. Sentiu-se aliviado, pois, de vez em quando, quando ainda era vivo, sentia um pouco de arrependimento pelo que fizera — de vez em quando. Bem mais admirado ele ficou quando, erguendo os olhos, leu em uma pequena tabuleta pendurada na parede da sala em que estava: sala dos Poetas mortos (a palavra mortos entre aspas).