Som na Caixa
A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental.
Schopenhauer
Chego em casa uma noite dessas e percebo, incomodada, que vem do bairro vizinho, em alto e bom som, o jingle de campanha do candidato a alguma coisa.
Meus cães ladram, mas a caravana não passa e a bendita musiquinha martela nossos ouvidos por uma eternidade. Nessas horas, agradeço a Deus minha memória de ameba. Nem o nome do infeliz guardei direito, embora ele tenha ribombado em meus tímpanos infinitas vezes, seguido sempre pelo número do sujeito.
Tenho visto algumas propagandas informando que esta será uma eleição limpa e que candidatos sujões serão punidos. Poluição sonora não é considerada sujeira? Pelo visto, não, e a ordem do dia é “som na caixa”.
Se bem que, hoje em dia, são pouco os que ficam pelas ruas berrando suas propostas de campanha. A maioria faz isso mesmo é pelas redes sociais, com a vantagem de poder falar bem de si e dos seus e meter a lenha nos rivais. Se o som se propaga em ondas pelo ar, as postagens no facebook ou twiter se viralizam pelas redes, atingindo muito mais gente, inclusive os moradores do pobre bairro vizinho onde o tal candidato-cujo-nome-e-número-eu-não guardei passou parte da noite tocando seu jingle nos meus ouvidos.
Acontece que sempre vai ter quem se importe pouco com o sossego dos outros.
Há alguns anos, eu morava num apartamento que dava para o bar onde, quando havia jogo do Santos, reunia-se a torcida alvinegra. Numa dessas vezes, era final de algum campeonato e, embora o jogo estivesse agendado para as quatro da tarde, o dono da birosca tascou o hino do clube ao meio dia, em “repeat” e não desligou mais. Eu nem tinha nada contra o time de Pelé, mas naquele dia, torci muito contra. Para minha alegria, o Santos perdeu.
Sei que meus vizinhos devem ter me odiado – ou não! – mas eu não pude resistir. Quando o jogo acabou, baixei da internet o hino do campeão e botei as caixas na janela, em volume quase distorcivo, na direção do tal boteco. Só desfiz a parafernalha, quando os clientes, amuados, deixaram o local. Felizmente, isso não demorou muito, para o bem dos meus ouvidos cansados de tanto barulho.
Pior que essa guerra de decibéis, foi quando nosso apartamento ficava na rua comercial de uma cidade satélite de Brasília e, na época do Natal, nos sentíamos morando dentro de um shopping. De caixas de som penduradas em cada poste, ressoavam, a partir de meados de novembro até pouco depois do Natal, os mais batidos jingle bels, desde as oito da manhã até depois do anoitecer, de segunda a segunda. E eu que era apaixonada por filminhos natalinos, deste então peguei enjôo de sininhos.
Já dos sinos, tomei antipatia por causa da proximidade com uma igreja, onde os pastores faziam questão de entoar suas orações histericamente, por meio de altofalantes gigantescos voltados para a rua, mesmo depois que um vizinho incorformado pixou no muro em frente: “Reze mais baixo, Deus não é surdo!”.
Não sou aficcionada por silêncio. Pelo contrário, minha vida é feita de música e é no ritmo dela que batuca meu coração.
O problema é que essa turma dos meus exemplos está  pouco se lixando no tique-taque da caixinha que carrego dentro ao peito. O que lhes interessa mesmo é o tilintar de suas caixinhas registradoras.
 

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Som na caixa
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/somnacaixa.htm
Ele também foi aproveitado, em versão reduzida para publicação em minha coluna de 01/08/2014 do jornal Alô Brasília.