Aula de pilates V
Outro dia estava no CAPS-Centro de Atendimento Psicossocial. Um grupo com quinze. A Coordenação pediu que cada integrante se apresentasse, falando o nome, atividade, idade, para dar início a interação entre os presentes.
Não deu certo, ninguém se mexeu. Aplicou outra estratégia. Determinou que quem fosse da década de cinquenta levantasse a mão. Ninguém levantou. Da década de sessenta. Alegremente levantei a mão. Mas minha alegria imediatamente se tornou pavor. Outros levantaram a mão na década de oitenta. Estava sozinho, com mais de uma década de diferença.
Frequentei algumas sessões no CAPS e me convenceram. Parei com o Pilates. A contar da última aula, passei uns quatro meses em casa, na cama, em recuperação. O primeiro mês entubado. A assistente social ia uma vez por semana me visitar.
Contratei uma profissional multidisciplinar para me auxiliar. Enfermeira, farmacêutica, fisioterapeuta... ajudava-me em tudo. Seu único defeito, era alemã. Não falava uma palavra em português. Tentei descobrir como tinha vindo parar em minha casa, mas não tive sucesso. Passei a acreditar que viera com a seleção e ficou ilegalmente no Brasil ou então foi abandonada.
Olha, passei o meu bocado. Comadre, fralda, banho de chuveiro sentado na cadeira, só a partir do terceiro mês. Antes, era lencinho umedecido e talco... muito talco.
Como cheguei aqui? Esse tal de neo Pilates. Penduraram-me na decoração, cabeça para baixo, durou uns três minutos e desandei. Passei quatro dias desacordado no hospital. Fratura exposta de duas costelas. As duas próteses das pernas, tive que refazer. Hoje estou muito bem, bichão, dói um pouco quando puxo o ar para respirar.
Estou reconstruindo minha dignidade. Diminui a dose de adrenalina para dez por cento. Estava intoxicado. Quando convalecia recebi a visita de minha vizinha, a mesma das meias. Queria saber como eu estava. Me falou que acabaram com o tal de Pilates estúdio. Agora só tem de solo, sem bolas. Queria saber mais detalhes do ocorrido. Resumi, não era minha hora.
O processo no Procon caducou, não pude ir mais nas reuniões de conciliação. Estou retomando algumas atividades. Voltei a vender minhas coisinhas ali no Banco do Brasil. Sempre tem um interessado. Se não faço o troco ao menos tem uma boa conversa.
Ofereço de tudo um pouco: capa de banco, limpador de para brisa, pêssego em balde, saquinhos de butiá, maça... A gurizada que circula por lá voltou a me incomodar.
- E ai Vovô trouxe o butiá hoje?
Nem dou bola. Se tenho, tenho, senão faço de conta que não ouvi.
O que me tirou do sério outro dia foi um azulzinho. Encostou do meu lada e queria a carta.
- Que Carta?
- A de habilitação.
“Me caiu os butiás do Bolso”.
- Mas porquê?
- Mas nesse triciclo motorizado o senhor precisa habilitação.
Perdi a paciência. Entrei no Procon de novo. Me aconselharam fazer um B O. Nunca ouvi falar de habilitação para cadeira de rodas. Alegou que era motorizada. Estou na justiça, vou ver no que dá.
Em casa Já estou só de andador. Aquele que minha neta me deu. Tomo banho sozinho, estou melhorando, me sinto de certa forma independente novamente. Um pouco de saudade da Alemã, não falava, mas suas mãos, macias...
Outro dia encontrei um amigo, seu Lídio, homem de mais de oitenta. Me convidou para ir no GERVI. Disse-lhe que estava meio ressabiado de centro de recuperação.
- Não!! É um bailão, das quatorze as dezoito, música ao vivo, todas quartas e domingos.
Perguntei se dava para ir de fralda pois ainda não tinha largado. Ficou de ver, semana que vem me traz a resposta. Ainda não venci a incontinência. Mas estou animado.