O SEXO DOS ANJOS

Ontem fui dormir mais cedo. Entediado com as notícias, na Internet, preferi o aconchego do cobertor e desliguei a aparelhagem. Impossível aguentar tanta notícia frívola nos diversos sites. Fora algumas reportagens sobre política, guerras e falcatruas, imperavam as fofocas e idiotices relacionadas às particularidades de jogadores de futebol, artistas de novelas, cinema e TV, gente do “Jet-set”, e as chamadas “celebridades”.

Uma chusma de notícias que, em nada contribui para uma visão sensata de mundo. Parece ser a decadência estampada no mais importante viés da comunicação, a serviço da desconstrução ética, desnudada por Pascal Bernardin, em “Maquiavel Pedagogo”.

O friozinho da noite era um apelativo para a cama e, sem mais delongas enfiei-me por baixo das cobertas à espera do sono restaurador.

Num instante adormeci e sonhei. No sonho, por incrível que pareça, conversava, imaginem! Com Dédalo! Esse lamentava a burrice do filho por não levar a sério a orientação de não voar muito perto do Sol. Por sua desobediência, acabou perdendo as asas e se estatelando no mar, morrendo afogado.

No sonho, Ícaro acreditava ter DNA divino, por pertencer à linhagem de Poseidon, o mesmo Netuno ou Enki dos sumérios. Assim, ao conseguir fugir do Labirinto, com seu pai, após a morte do Minotauro, cismou que poderia voar tal qual os anjos. Para ele, se os deuses eram aqueles que “vieram dos céus, nos tempos em que aqui viviam os gigantes”, qual seria o motivo pelo qual também não poderia voar sobre a Terra e pelos céus afora?

Com essa premissa na cabeça, o pobre coitado recolheu o trem de pouso e arremeteu para as aerovias superiores.

Não deu outra! A cera que colava as penas e as asas nas suas costas acabou por derreter e o resultado final nós já sabemos. Deu, verdadeiramente, com os burros na água!

Mas, acontece que as incidências oníricas nos trazem surpresas. Certas passagens nos aproximam da sabedoria, outras de processos divinatórios, outras, ainda, da loucura, do surrealismo e sei lá quantas mais!

De repente, como é comum, nos sonhos, já não me via mais participando da saga de Dédalo e Ícaro. Havia sido transportado para o Vaticano e estava conversando com Michelangelo, sentado num banquinho da Capela Sistina.

Intrigado com a profusão de anjos e arcanjos, pelo teto e paredes, perguntei ao artista quem teria sido o responsável por colocar asas nas costas daqueles seres?

Surpreendido pela pergunta um tanto inoportuna, Michelangelo disse que não fazia a menor ideia e que achava ter sido obra de algum engraçadinho querendo sair bem na foto. Fora contratado para pintar anjos com asas e não era problema dos artistas inquirir sobre esses tipos de detalhes aos seus contratantes.

A afirmação do artista não me convenceu. Tive a suspeita de que, provocado, teria algo mais a comentar.

Como se quisesse dizer algo, reservadamente, olhando para um e para o outro lado, certificando-se de que nenhum clérigo ouvia nossa conversa, colocou a mão na boca e confessou, baixinho:

-- Quer saber de uma coisa? Não acredito nadica dessa coisa de asas nos anjos! Eu que trato minha arte usando o corpo humano como fundamento, nunca vi nenhum estudo de Anatomia a respeito da musculatura que possa acionar asas nas costas de alguém! Particularmente, acho que aí tem coisa!

-- Mas os anjos não moram no céu? Como é que eles podem vir de lá para cá, a não ser voando? Para voar, ou com asas ou então, de avião, não acha?

-- Pois é, meu amigo! Isso é uma baita enganação! Imagine anjinhos daqueles que estão ali, no escaninho, ainda bebezinhos, voando pelo céu afora, sem ter quem cuide deles! Um verdadeiro descalabro!

Como você vê, sou pago para pintar e não estou aqui para entrar em confusão com esse pessoal da batina. Eles são impiedosos quando cismam! Quantos já padeceram, nas mãos deles, acusados de heresia?

-- Também não sei onde é que os anjinhos conseguem comprar vuvuzelas e liras! Será que já nascem sabendo tocar esses instrumentos? Tem professores de música, no céu?

-- Rapaz! Não é que você, agora, levantou um tremendo problema?

-- Eu? Michelangelo Ludovico Buonarrotti Simoni?

-- Sim, você? Isso vai dar o que falar “per omnia secula seculorum”!

-- Explique isso, por favor!

-- Bem! Como você está pintando o teto da Capela, lá estão anjos, tipo gente grande, e um montão de anjinhos bebezinhos. A grande pergunta é a seguinte: Como é que nascem os anjinhos? Se existem bebês é porque, ao contrário do que dizem por aí, os anjos tem sexo, sim senhor!

-- É mesmo, meu amigo! E não é que nunca pensei nisso?

-- Pode estar certo de que ninguém pensa, mesmo! A coisa passa batida!

-- Tem razão! Mas, a coisa anda em banho maria há muitos séculos, pois nas pinturas, desenhos e livros, os anjos grandões estão vestidos com roupas até os pés, mas os anjinhos bebês, alguns estão com fraldas e os outros aparecem nus! E isso acontece com todos os artistas do mundo! Todos fazem assim, cara!

-- É isso aí, Mike! Agora você matou a charada! Os anjinhos que aparecem despidos, são sempre meninos, pode ver que só os nus é que tem o piruzinho de fora. Os que usam fraldas, com certeza, são meninas e o pessoal não deixa aparecer nadica de nada! Que coisa! Já faz tempo que escondem o jogo!

-- Sejamos práticos! Se existem anjinhos é porque os anjos grandes também furunfam! Ora, se furunfam é porque tem sexo, sim senhor! Agora, o que fica meio estranho é esconder as anjas grávidas! Nunca vi nem pintei nenhuma delas!

-- E qual a razão para isso?

-- Sinceramente, não sei! Mas prometo a você que irei investigar sobre isso e ainda lhe darei a resposta!

-- Intrigado, despedi-me de Michelangelo e deixei a Capela Sistina. Não lembro mais por onde andei ou para aonde fui. Só sei que, no dia seguinte na Internet, as notícias davam conta de que estava acontecendo o maior rebu, no mundo inteiro.

-- Ao abrirem a Capela para a visitação de um grupo de turistas, parecia que o céu estava desabando. Nas pinturas e afrescos, pululavam entre os anjos gente grande e os anjinhos rechonchudos, um montão de anjas, felizes da vida, todas grávidas...

Amelius

Sobradinho-DF – 28/07/2014

Amelius
Enviado por Amelius em 28/07/2014
Reeditado em 03/06/2017
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