Novos tempos anunciados

NOVOS TEMPOS ANUNCIADOS

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 28.07.14)

Ele chegou e disse:

"É isso mesmo que estou te contando. E está tudo registrado, qualquer um pode escutar, está na internet. Se quiseres, te consigo um endereço eletrônico, tu te registras com um cadastro básico, forneces o número de um cartão de crédito válido (a validade é confirmada na hora) e recebes uma senha de acesso à gravação. Podes escutar o papo todo cinco vezes.

"Foi uma reunião da coordenação de campanha com os marqueteiros do candidato, alguém esqueceu um celular aberto e a conversa foi toda digitalizada. Essas barbadas da tecnologia moderna, não tem?

"O nosso princípio, eles disseram, é claro: privatizar tudo e reduzir o Governo ao tamanho da diretoria de uma estatal. Entregar tudo ao mercado, levando o filé quem for mais ágil, mais apto, mais capaz, mais equipado, mais municiado. Estratégia de guerra, a Lei de Darwin alijando o Novo Testamento inclusive nas questões sociais, assistenciais, humanas, humanitárias e ambientais. Movimentos sociais e ONGs que se adaptem aos novos tempos, tornando-se lucrativos pelos próprios pés, ou que se explodam como deveriam ter feito desde sempre se fossem sérios. Então, em oito anos - dois mandatos -, já teremos terceirizado totalmente os serviços que faltavam, de educação, saúde e segurança, inaugurando o Grande Estado Liberal, pioneiro de verdade no mundo.

"Se disserem que cheira, diremos que é problema dele, não está prejudicando ninguém com isso; se disserem que bateu na mulher, diremos que em problemas de casal ninguém pode se meter; se disserem que construiu com dinheiro público administrado por ele um aeroporto no quintal dele, que só ele usa, diremos que, historicamente, aeroportos são os caminhos do progresso e do desenvolvimento; se... Diremos tanto, eles disseram, que no fim todos acreditarão."

Olhou para mim e completou:

"Aceitas? Estou agenciando senhas. Vais te deliciar com os detalhes do papo, com o estilo das frases."

Bronzes

Meu vizinho de porta no DC, o Rafael Martini, comentou na edição de ontem deste jornal, a respeito do furto na Praça XV de Novembro de quatro bustos de bronze de personalidades da Cultura catarinense, ocorrido em 8 de agosto de 2013 (faltam 11 dias para o primeiro aniversário da façanha), que "o inquérito que apura o sumiço das peças deve ser arquivado por falta de indícios para localizar os autores do crime".

Com todo o respeito que merece de mim a Polícia de Santa Catarina, tenho o dever de discordar dessa conclusão simplista e rogar pelo prosseguimento das investigações.

Por um simples motivo: na tarde de sábado, a Casa de José Boiteux foi flagrada sem as duas placas de bronze, arrancadas de sua parede externa, que indicavam ser ali a sede da Academia Catarinense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de SC.

Se os bronzeiros não descansam, a Polícia é que não pode fazê-lo.

Isonomia

Há que sermos justos. E transparentes, o sucesso do momento. Todo mundo se diz transparente, independente da opacidade própria que carrega.

Outro dia, neste mesmo interinado, comentei o sucesso que foi o retorno dos clubes catarinenses, Séries A e B, aos campeonatos brasileiros de futebol logo na primeira rodada após a Copa: todos os times ganharam os seus jogos, à exceção da Chapecoense, que não jogou. Ainda assim, tão logo o fez, foi ao Morumbi e liquidou o São Paulo por 1 a 0.

No sábado agora, porém, sobreveio a ressaca: todos perderam por goleada ou semigoleada. Menos o Joinville, que ficou na contagem mínima. O Criciúma tomou 3 a 1, em casa, do semilanterna Vitória; a Chapecoense foi a Santos e retornou com 3 a 0 nas costas; o Figueirense levou 5 a 0 do azul e branco Cruzeiro, em BH.

Se para todos perderem alguém tinha que ganhar, o Avaí resolveu fazer 1 a 0 na casa do Joinville.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.

(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.

Flávio Tavares, "Memórias do Esquecimento"